Quando soube que um novo atentado havia atingido Bagdá, imediatamente lembrei da frase de Ali, meu motorista iraquiano, que sempre evitava Karrada – nome de uma das mais importantes avenidas de Bagdá e também do bairro onde ocorreu a explosão deste domingo. Nos sete dias em que estive no Iraque, Ali evitou passar por Karrada, zona de classe média com muitas lojas e cafés. Ele dizia:
– Por aqui não passo nem com minha família – disse-me no primeiro dia.
Acabamos passando por ali certa noite, era o caminho mais curto até meu hotel. Impressionei-me com a alegria do lugar. Mas percebia que Ali ficava apreensivo nas sinaleiras – é quando os congestionamentos nos dão a impressão de claustrofobia a céu aberto. Os terroristas do Estado Islâmico (EI) aproveitam esses momentos, quando não há pra onde fugir, para explodir seus carros-bomba. Sentindo a tensão de Ali em Karrada, eu também ficava apreensivo: olhava para um carro, um caminhão... tentava, inutilmente, imaginar se algum daqueles veículos estaria prestes a explodir. Lojas, turistas, alegria atraem os terroristas.
O atentado deste domingo mostra que, por mais que o Iraque esteja ganhando a guerra contra o EI, o grupo extremista ainda não está completamente abatido. O EI perdeu importantes cidades, como Ramadi e Fallujah (que caiu totalmente há uma semana), nos últimos sete meses, mas está longe de ter sido derrotado. Domina apenas Mossul, no Norte, mas ainda tem poder de colocar seus suicidas aptos a agir em qualquer cidade do Iraque, da Síria e do mundo com rapidez. De forma covarde, como sempre.
Bagdá é a caixa de ressonância imediata do que acontece no front: se o exército iraquiano avança em arredores de Fallujah, o Estado Islâmico se vinga explodindo carros-bomba na capital. Se retoma vilarejos no deserto, dias depois, homens-bomba se explodem em algum café de Bagdá.
Em Karrada, conheci um Iraque que normalmente não aparece nos jornais: gente feliz, apesar da guerra, crianças com balões, vida noturna pulsante, luzes, neons, lojas, shoppings e cafés. Nem as imagens deste domingo, de iraquianos correndo em pânico, ambulâncias do Crescente Vermelho em disparada, fogo e prédios destruídos me tirarão a lembrança feliz de Karrada, uma parte necessária da Bagdá que resiste, apesar de tudo.