Crônica publicada em 10/10/2001
Preparem-se agora para ler uma das maiores colunas que já escrevi nestes meus 30 anos de Zero Hora. Urdi-a ontem à tarde em meu intelecto, em cima de uma recordação. Lembro-me do dia em que a avistei e decidi que tinha de ser minha. Exuberante mulher, cujos encantos físicos iam ainda mais ser realçados, depois que conversamos, pela sua extraordinária sensibilidade, aliada a uma aguda inteligência. E dançamos, dançamos, toda a noite, no bar noturno da orla de Ipanema, antes de chegar ao pequeno morro da Praia do Espírito Santo. E quanto mais dançávamos, mais nos enamorávamos: há uma estranha e divina cumplicidade de paixão na harmonia dos passos dançarinos de qualquer parelha que deslize por uma pista musical.
E parecia que eu dançara com ela nos últimos 10 anos inteiros, tal a desenvoltura espontânea dos nossos passos simétricos e simultâneos. E quando tocava a nós dançarmos um bolero, então nossos corpos eram tomados de um êxtase subcutâneo que nos fazia adivinhar estarem ardendo as nossas entranhas, centelhas de fogo romântico tostavam nossos corações enternecidos. Quando depois de várias horas de dança devotada fomos beber algo na mesa, estávamos exangues, como se todo o combustível daquele amor repentino e profundo tivesse se esgotado na realização.
Foi quando conversamos muito, olhos nos olhos. E ela me disse que eu acabara de conquistá-la. Iam já lá pelas três da madrugada, hora máxima talvez para que os casais das aventuras noturnas se recolham à alcova concupiscente. Ela me disse: “Pronto, chegaste onde querias. Eu já te amo. Faze de mim o que bem quiseres”. Quando saímos do bar, olhei a praia e vi o que Olavo Bilac registrou naquele soneto célebre: a Via Láctea como um pálio aberto cintilava...
Não havia outra forma de coroar aquele encontro memorável que não fosse o conúbio carnal. Ela estava entregue. E eu era senhor absoluto da situação. Foi quando lhe fiz a pergunta incrivelmente ainda decisiva: “Tu és casada, noiva, tens namorado?” E ela me respondeu que não era nenhuma das três coisas, que era uma mulher absolutamente livre, nenhum homem a tocava naquele momento, nem nos últimos meses. Nunca tive maior decepção.
Quase dilacerado, expliquei meu drama e minha recusa: “Querida, vou então deixar-te em casa. Nada de mais acontecerá entre nós que já não tenha acontecido nesta noite maravilhosa em que nos apaixonamos dançando. É que, se não és casada, não és noiva e não és namorada, eu não sinto nenhum ímpeto em te amar. Eu só me empolgo com uma aventura amorosa, eu só me entusiasmo com uma paixão quando há uma terceira pessoa que afete prejuízo por meu ato. Eu sou um inveterado, um fanático curtidor de triângulos. É preciso, urgente, minha querida, que arranjes um namorado. Mas é necessário também que te envolvas com este namorado até a medula para que eu possa me arremessar sobre ti com toda a força da minha paixão e a intensidade do meu amor, mais, é claro, a volúpia do meu sexo. Arranja depressa um namorado para que demos um fim retumbante a esse nosso caso”. E ante a estupefação daquela mulher espetacular, que suplicava que eu lhe explicasse meu gesto de insânia, ainda eu disse uma frase antes de levá-la embora para sua casa: – Se eu não traio, não me atraio.
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