* Crônica publicada em 25/06/2000
Este caso aconteceu em Porto Alegre. Eu conheço dois dos três personagens.
E obviamente vou trocar o nome deles e locais em que moram e moravam. É que ainda se faz sentir sobre os três e suas circunstâncias o impacto do desfecho desta história realmente curiosa e quase que alucinante.
Fabiana e Francisco estavam casados havia cinco anos. Jovens ainda, recém ultrapassando os 30, levaram à frente seu casamento durante os 1.800 dias de muitas alegrias e poucas e pesadas tristezas. São de classe média alta, ambos com diploma superior, conheceram-se, como quase sempre acontece, nos bancos universitários, ambos se formaram, com diferença de apenas um ano. Trabalhavam em duas empresas de atividade análoga, tinham cada um o seu automóvel, residiam numa cobertura da Ramiro Barcellos.
Não tiveram filhos, no início se acautelaram deles pelos contraceptivos, depois deixaram rolar para ver no que ia dar, mas não nasceu o primogênito, por razões que não vale a pena avaliar, até mesmo porque não estavam muito interessados até então pela propagação da espécie.
Depois o casamento, ao entrar no quinto ano, foi se remoendo naquele tédio da televisão ligada e a seguir a pressa de dormir para livrarem-se, ambos, cada um do outro, do encargo de estarem juntos, sob o pretexto de acordar pela manhã e sair um para lado diferente do outro. A vida ia assim seguindo o ramerrão conjugal, sem sentido, o amor não mais a perigo, porque cresce o amor quando está a perigo, mas já morto e sepultado o laço conjugal pela indiferença glacial de Francisco com Fabiana.
Ela ainda o amava, mas estavam no fim as suas forças. Francisco declarava pelas atitudes eloquentes o que o silêncio obsequioso teimava em não depor.
Era mais um casamento entre milhões que se despedaçava, só que Fabiana não sabia que o motivo da ruptura era proverbial: uma terceira pessoa, o velho triângulo amoroso rodrigueano ou lupicínico. Até que Francisco chamou Fabiana ao sofá da sala no sábado à noite e o tom de sua convocação era solene:
- Quero te informar que nosso casamento acabou. Estou indo embora de casa.
- Mas o que te leva a isto?
- Sou homossexual.
- Não acredito, Francisco.
- Pois pode acreditar.
- Mas tu transas com muitos homens ou com um homem só?
- Amo um homem e já montamos um apartamento na Barros Cassal, onde moraremos juntos a partir de amanhã.
- Quem é este homem?
- Teu irmão, o Roque.
E foi assim que inédita e incrivelmente Fabiana, no mesmo dia e num passe de mágica, se transformou de mulher em cunhada de Francisco.
Leia mais crônicas em zhora.co/santana45anos