O jovem colega Paulo Germano me emocionou ontem.
Veio correndo me dizer que tinha finalmente decorado o poema Pela primeira vez, de autoria de Guilherme de Almeida.
Tinha recomendado a ele esse poema, que acho seja o mais lindo dos cerca de 3 mil poemas e sonetos que conheço.
E foi emocionante ontem ouvir o Paulo Germano recitando o poema inteiro, que é extenso, mas do qual extraio o final gigantesco:
E agora que de ti por muito que me dês
Já não me podes dar a impressão que me deste
A primeira impressão que me fizeste
Louco talvez!
Tenho ciúme de quem não te conhece ainda
E cedo ou tarde te verá pálida e linda
Pela primeira vez.
Foi ouvindo o meu colega ontem que me lembrei de um monumental soneto que conheço mas do qual não sei quem é o autor.
O autor está conversando com sua amada e lhe diz no sexteto final:
E quando um dia fores comovida
Branca visão que entre os sepulcros erra
Visitar minha fúnebre guarida
O coração que todo em ti te encerra
Sentindo- te chegar, mulher querida,
Palpitará de amor dentro da terra.
Cultura não sei se adquiri nessas milhares de poesias que decorei.
Mas português sei que aprendi lendo e decorando poesias.
Aliás, eu só decoro o que admiro muito.
Lembro- me que decorei certa vez o discurso de Marco Antônio aos pés de Júlio César, que tinha havia poucos minutos sido assassinado por um complô de senadores, ao pé da estátua de Pompeu.
O texto foi de Shakespeare.
Magistral.
O livro de Augusto dos Anjos, único livro do grande poeta paraibano, Eu e outras Poesias, decorei- o por inteiro quando eu tinha 27 anos.
Passou- se tanto tempo, que fugiu de minha memória metade desse livro, mas tenho ainda bem presente a outra metade, talvez a que eu mais apreciei.
E, entre as joias preciosas desse livro, eu escolhi como o maior quarteto do grande vate nordestino este que aponto agora: Melancolia, estende- me tua asa És a árvore em que devo reclinar- me E se algum dia o amor vier procurar- me Dize a este monstro que fugi de casa.
Tem tanta coisa boa do Augusto dos Anjos, que a gente nem sabe qual vai escolher.
Mas indubitavelmente o soneto mais conhecido dele, recitado do norte ao sul do Brasil com entusiasmo, é aquele que termina assim:
Toma um fósforo, acende o teu cigarro
O beijo, amigo, é a véspera do escarro
A mão que afaga é a mesma que apedreja
Se alguém causa inda pena a tua chaga
Apedreja esta mão vil que te afaga
E escarra nesta boca que te beija.
Crônica publicada em 25/01/14
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