Esqueci de contar em detalhes o meu encontro com Sócrates e Platão, durante a Copa do Mundo da França, no parque Bois de Boulogne, em Paris. Avistei os dois filósofos conversando num banco do parque e corri para eles. Sócrates foi quem me saudou: "Olá, Pablo, foi ótimo teres chegado, senta aí que a minha conversa com Platão já estava ficando enfadonha".
Dei um abraço em Platão e perguntei a Sócrates: "Afinal, o que te levou a tomar o veneno?". Sócrates me olhou profundamente, sorriu e foi respondendo: "Pablo, em primeiro lugar, o 'sistema' me 'sugeriu' que eu ingerisse a cicuta. Em segundo lugar, pensei comigo que, se o veneno por um lado me privaria para sempre de minhas alegrias, por outra parte também me livraria perpetuamente das minhas tristezas. Como tu sabes, Pablo, a gente tem de encarar a morte como uma forma de, cansados de ânsias vis e ambições ferozes, a Terra já não bastar para nosso amor, nós ardemos numa louca aspiração mais casta, que só a eternidade pode nos oferecer. Então, Pablo, me entreguei ao veneno, pois, como tu sempre dizes, 'a banca paga e recebe'. E eu sempre me espelhei em ti, Pablo".
Platão olhava deslumbrado para seu professor Sócrates, enquanto este me encantava com sua dissertação. Sócrates prosseguiu: "Pablo, além disso, existe um ímã, Deus, oculto no infinito. Ingerir o veneno, para mim, diante do dilema de minha condenação, foi uma forma de eu ser atraído para o ímã divino. Eu sempre tive uma vontade apressada de me encontrar com Deus e pedir a ele explicações sobre minhas angustiantes dúvidas. Foi assim, pelo veneno, a forma pela qual também pude me aproximar da Grande Luz, então fui ofertar a Deus toda a compreensão que tinha da vida. E Deus me deu razão em muitas das minhas ideias e posicionamentos, embora também me dissuadisse convincentemente de meus erros".
Platão interveio na preleção carinhosa de Sócrates: "Já eu fui me encontrar com Deus mais tarde, embora cedo me apercebesse de que esse encontro se tornaria inevitável. Deus me concedeu o elogio de que minhas verdades roçaram os mandamentos divinos. Outras não foram minhas palavras aqui na Terra que as derivadas das Tábuas da Lei. Eu preguei, como Aristóteles, São Francisco e Tomás de Aquino, de maneira simples, que não deveríamos fazer para os outros nada que gostaríamos que não fizessem para nós, isso por si só já bastaria para termos uma vida grandemente produtiva".
Sócrates contra-atacou: "Pablo, voltando ao meu veneno. Ele foi muito menos cruciante para mim do que o câncer, por exemplo. Porque o meu veneno importou resignação com meu destino. E o câncer implica a aflição da esperança. Meu veneno era tiro e queda, não restava outra coisa senão repousar minha vida nos braços da morte. Mas vamos indo, Platão. Até outro dia, Pablo. Não deixa de sempre aparecer para deixar este parque mais iluminado".
Crônica publicada em 04/04/2011