Se eu for perquirir dentro de mim sobre meu maior desejo, minha máxima realização, não terei dúvidas em apontá-lo: ser considerado indispensável por alguém ou por algumas pessoas. Estou assim demonstrando a minha admiração e o meu devotamento por todas aquelas pessoas que me são imprescindíveis, aquelas sem as quais eu perderia encanto e apetite pela vida, aquelas que, se por qualquer aspecto desaparecessem da minha convivência, me tornariam um ser diminuído e aviltado pela sua ausência.
O importante na vida de qualquer indivíduo é que ele seja considerado pelos seus semelhantes como uma pessoa preciosa para que eles levem a vida em frente.
O valor de qualquer pessoa, avalie os seus parentes, os seus amigos, os seus colegas, os seus líderes, os seus comandados, as suas referências, terá de ser medido pela falta que ela fará no caso de que você não venha a tê-la mais no seu círculo ou em qualquer âmbito da sua gravitação existencial.
Se em qualquer parte ou instante alguém sentir falta de outrem, este último é um ente de profundo significado.
Fazer falta, este deve ser o sentido da vida. Ter consciência de que se é necessário, este é o caminho e o dever do homem nessa efêmera passagem entre os outros humanos.
Em todas as crises depressivas que tive, não sentir-me necessário ou imprescindível a alguém era o que mais me arrastava ao fundo do poço. E sempre o que mais me encorajou a sair do fundo do poço foi a consciência nítida de que eu poderia, caso levantasse a cabeça e prosseguisse na luta, por alguma forma, tornar-me importante para alguém, de tal sorte que sua vida se tornaria pior ou menos apetecida no caso de que eu desistisse de enfrentar as dificuldades que me desanimavam.
As pessoas que mais amo ou mais estimei em toda a minha vida são exatamente aquelas de quem hoje sinto mais falta ou aquelas de quem mais falta sentirei se por qualquer jeito a desgraça possa fazê-las distantes, separadas ou desaparecidas de mim.
A gente nem chega a dar-se conta, quase sempre porque nunca sentiu falta delas, de quanto algumas pessoas são essenciais em nossas vidas.
Outras vezes não se dá isso com pessoas, mas com coisas, com ambientes, com paisagens, com entidades, com lugares, com crenças, com esperanças, com quaisquer integrantes inseparáveis do equilíbrio de nossas existências.
Uma mãe, um livro, um cão, um lugar de trabalho, uma ideologia, um amigo, uma religião, a transcendência desses parceiros indefectíveis de nossas vidas só pode ser verdadeiramente avaliada por nós se sofrermos o impacto terrível do seu desaparecimento.
Quando vou aos velórios e aos enterros, fico a observar unicamente uma coisa: o choque brutal que se dá nos pósteros em torno da pessoa falecida.
E quanto mais dor se estampar nas mentes e nos corpos dos que choram aquela pessoa que se foi, mais eu a invejo e admiro.
Porque, entre todos os orgulhos humanos, o único que deve ter legitimidade é o de alguém que seja insubstituível, na sua falta, para outro alguém.
Se você faz falta, só assim então você pode se jactar de que foi cumprida a sua missão, você é um homem.
Crônica publicada em 10/02/02