Faz hoje 25 anos da morte de Lupicínio Rodrigues e o Segundo Caderno deste jornal publica um artigo meu sobre a data.
Confesso-me emocionado com a edição da página. Tanto pela data quanto pela oportunidade de me referir ao grande poeta, mas também por uma foto em que apareço ao lado de Lupicínio lá pelo ano de 1972.
O compositor no auge da sua glória e eu no auge da minha juventude. Nem me lembrava de que tinha os cabelos encaracolados, mas tenho firme recordação da camisa e da gravata petit-pois que estou envergando. Como eu era belo perto do que restei, como um homem pode ser vários, a infância, a adolescência, a juventude, a maturidade e a velhice.
Como vendi barato a minha juventude. Se quando eu tinha a idade desta foto eu soubesse o que sei agora, como teria conduzido bem melhor a minha vida, como não me teriam feito de escravo as mulheres, como teria substituído o cigarro pelo vinho, o automóvel pela bicicleta, a esperança pela audácia, a timidez pela desenvoltura, a segurança pelo risco.
Teria comido mais vegetais do que carnes e varrido o sal e o açúcar dos meus alimentos. Teria confiado menos e amado mais e dedicaria toda a minha vida a cultivar muitos mais amigos e inimigos do que tenho.
E principalmente teria viajado muito mais, teria me atirado a todas as aventuras e feito esforço para conhecer todas as praias de águas azuis e mornas da superfície terrestre.
Teria vivido mais e estaria recordando menos. E teria me jogado com toda a força para tornar a minha vida mais próspera de sentimentos do que de racionalidade.
E teria curtido muito mais, com frequência de cotidiano, os amigos a quem me dediquei pouco e que se deixaram escapar pela morte. Como eu curti pouco os meus amigos que morreram, tolamente pensei que fosse tê-los sempre a meu lado, dali a pouco eles desapareceram e eu fiquei apalermado com um vazio que eu tinha que ter preenchido de mais presença, de risos, de versos, de cavaquinhos e violões, de namoradas e serões.
Teria tomado um fartão dos amigos antes que eles morressem. E das mulheres antes que elas ficassem velhas. E do amor antes que eu me desiludisse. E dos filhos antes que me dessem netos. E acima de tudo da amizade antes que eu e meus amigos nos casássemos, o que sob certo aspecto significou a nossa separação.
E para mostrar que não sou insensível às cobranças, teria me dedicado muito mais à família do que à carreira, me entregaria devotadamente aos meus filhos enquanto eles fossem crianças, em vez de tentar adulá-los por compensação agora que não precisam urgentemente de mim.
Mas antes de tudo eu daria mais atenção às pessoas do que aos fatos. E me preocuparia menos com o futuro, que este foi o meu mal. E acabaria com esta fixação louca de que o mundo vai acabar amanhã.
Faria de cada instante uma eternidade, de cada encontro uma celebração, de cada gesto de aproximação uma solenidade.
Vendo bem, que vida perdida, que a gente desperdiçou por desaviso!
Crônica publicada em 27/08/99