Quem não tem recordações da infância que lhe remoem a alma? Quem não tem?
Por exemplo, são inesquecíveis à minha lembrança os três coqueiros que havia à frente de minha casa, quando eu era menino, na Chácara das Bananeiras, Partenon.
Eram três coqueiros finos. E só agora explico um verso antes inexplicável de Ary Barroso na célebre Aquarela do Brasil: "Este coqueiro que dá coco/ oi! onde amarro a minha rede/ nas noites claras de luar".
Um colega, entendido em música popular brasileira, diz que este é o verso mais idiota da música nacional: "Este coqueiro que dá coco". E arremata: "Qual o coqueiro que não dá coco? Coqueiro não dá é morango".
E eu contraponho: porque os três coqueiros verdes da frente da casa da minha infância não davam coco. E não davam nem coquinho.
Então, o verso do imortal Ary tinha nexo, sim senhor.
Pois bem, depois que com 15 anos me mudei da Chácara das Bananeiras para a Azenha, ficaram lá os três coqueiros da minha meninice peralta, ao sabor dos ventos e das estações.
E de três em três anos eu saía da Azenha e passava lá pela minha casa do Partenon para remoer recordações da minha vida de guri.
E 15 anos depois de eu ter-me mudado, caiu o primeiro dos três coqueiros. Levou 20 anos para cair o segundo coqueiro. E, enquanto eu ia passando por lá para rememorar meu tempo feliz de criança, caiu o terceiro coqueiro, cuja ponta do caule permaneceu ereta por mais 20 anos.
Morreram e caíram os meus três coqueiros da infância pobre, digna e alegre. E isso me fez recordar uma das canções mais famosas e folclóricas da história musical brasileira. De autor desconhecido, foi gravada por mais de 200 intérpretes: "Tu não te lembras da casinha pequenina/ onde o nosso amor nasceu?/ Tinha um coqueiro do lado/ que coitado de saudade já morreu/ (bis) Tinha um coqueiro do lado/ que coitado de saudade já morreu".
Morreram de saudade os coqueiros da minha casa de infância no Partenon. Saudade de meu irmão Cirilo, lindo como um fauno, coitadinho viria a morrer 40 anos depois, de câncer, nos meus braços, sem mais ar para respirar, nem o dos tubos.
Morreram os três coqueiros de saudade de minha irmã Teresinha, querida, ainda hoje vive com seu marido, Antônio Oliveira, aqui no Menino Deus.
Os coqueiros morreram de saudade da minha outra irmã, Rosa Maria, querida irmã que me adora, embora eu cretinamente não lhe ofereça motivos para tal. Ela ainda resiste aqui numa travessa da Avenida Bento Gonçalves, dá-me uma vontade imensa de ir lá enchê-la de beijos.
Morreram os três coqueiros de saudade dos meus outros dois irmãos, José Carlos e Flávio Roberto, adoradas criancinhas que brincavam de roda em torno dos três coqueiros.
E morreram, os três coqueiros antes altivos diante dos ventos do Partenon, de saudade principalmente do coronel Ciryllo, meu pai, e de minha madrasta, Zica. Quantos os sacrifícios que eles fizeram para criar a nós, seus seis filhos e enteados, quantos trabalhos, quantas preocupações, dores e aflições para nos manter vivos até a morte!
Os três coqueiros do Partenon foram o sinal de esperança das nossas existências. E coitados de saudade já morreram.
Crônica publicada em 17/01/08