As gerações vão se sucedendo, e os hábitos e costumes vão mudando com elas.
Há poucos anos, talvez ainda hoje se use esta expressão, as garotas, quando queriam dizer que um rapaz era bonito, chamavam-no de gato ou gatão.
Há 30 anos, as mulheres, quando queriam designar um homem como sensual e atraente, diziam: pão.
E esses dias fui saber pela dona Miguela Costa Lopes, com 59 anos, qual era o termo usado pela geração anterior, há 50 anos, quando queriam as mulheres classificar um homem de formoso: sabonetão.
Mudou a linguagem nestes últimos 50 anos, mudaram também os gestos, os métodos.
Meu pai contava para mim e para meus irmãos que o pai dele, meu avô, tinha um relho de surrar cavalos dependurado na parede da sala.
Quando meu avô decidia que meu pai tinha que ser surrado, ia até o quarto das crianças e convocava meu pai: "Vai lá na sala e busca o relho, que tu vais apanhar". Meu pai ia até a sala, com certeza sofrendo o que Cristo sofreu nas quatro estações até o Calvário.
Eu sempre imaginei a tortura mental a que meu pai era submetido ao percorrer aqueles seis metros que iam do seu quarto de infância até a sala, em busca do relho que iria vergastar-lhe a pele, às vezes até arrancar-lhe o sangue dos poros, sempre a provocar-lhe hematomas e equimoses – relho bate com o cabo e com as franjas de couro.
Meu avô era militar e meu pai era militar. Eles eram do tempo em que a disciplina rígida dos quartéis era empregada ainda mais duramente no lar: o raciocínio deles era que não eram donos do quartel, mas não havia qualquer dúvida de que eram senhores absolutos da sua casa, de sua mulher e de seus filhos.
Tinham mentalidade caudilhesca. Eram donos de tudo, menos da piedade. Então meu amado pai e seus irmãos iam do quarto até o Gólgota com o relho na mão.
Deviam ser surras memoráveis, a julgar pelas bárbaras surras que eu mesmo levei do meu pai, que devia se envergonhar de ter suavizado o método na passagem do bastão da geração de meu avô para a dele.
Por que meu pai suavizou a fórmula com relação a mim, comparado com o meu avô? Porque, da mesma forma que meu avô empregava, meu pai dependurava um relho na sala, com a finalidade de surrar a mim e a meu irmão.
Só que meu pai evoluiu, ele nos poupava da patética dor espiritual de ir buscar o relho para apanhar: ele mesmo pegava o relho e nos batia. Pelo menos isso!
Os outros quatro irmãos mais novos que tive já foram alvos e beneficiários do processo de evolução e talvez arrependimento de meu pai: a partir de meu segundo irmão, meu pai aboliu o relho da sala, não surrava mais os outros quatro ou, quando o fazia, era com palmadas ou tapas suportáveis.
Tenho três filhos. Nunca os surrei, movido muito pelas surras fantásticas que meu pai me dava.
Nos meus três filhos, o máximo que fiz foi dar duas ou três palmadas, durante os 26 anos em que eles existem.
Assim caminha a humanidade.
Por isso contei esses dias nesta coluna que já tive inúmeros incidentes sérios com pais que surram os filhos nas ruas, nos lugares públicos: sempre me levanto contra esse tipo de agressão e entro em atrito com os agressores, que se arrogam o direito de castigar seus filhos.
Na minha frente, nunca deixei que ninguém castigasse seus filhos, correndo o risco de até eu ser agredido. Porque eu acho isso uma barbárie.
E penso que assim a humanidade caminha ao contrário: para trás, no reencontro com o primitivo.
Crônica publicada em 05/07/95