Uma senhorinha e sua filha, também já não muito jovem, devem ser despejadas nos próximos dias por atrapalhar o vaivém de pedestres na zona leste de Porto Alegre. É uma decisão da prefeitura: as casas de madeira onde as vira-latas Velha, 10 anos, e Filha, 8, costumam dormir e se refugiar da chuva, no bairro Jardim do Salso, precisam ser removidas em no máximo duas semanas.
Instaladas na calçada da Rua Ângelo Crivellaro, as três casinhas – que também recebem outros cachorros de rua – foram alvo de reclamações por meio do telefone 156. Quem montou os abrigos, sobre degraus de concreto, foi a assistente administrativa Rosana Pereira de Oliveira, 48 anos, em 2016. Desde lá, ela e os vizinhos se dedicam a alimentar os hóspedes – e até já vacinaram e castraram Velha e Filha, as habitués do pequeno hotel.
– Nunca tivemos problemas. E não é verdade que as casinhas atrapalham a circulação: a calçada continua com espaço para cinco pessoas passarem ao mesmo tempo – avalia Rosana, que recebeu no sábado a notificação da Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) para retirar as estruturas.
Ela lembra que a lei estadual 15.254/2019, sancionada em janeiro pelo governador Eduardo Leite, permite a instalação de casas para cachorros em vias públicas. Mas é verdade que a mesma legislação – bem como o Código de Posturas do município – proíbe qualquer empecilho ao trânsito de pedestres ou veículos. "A prefeitura reconhece o esforço da população em melhorar a qualidade de vida dos cães de rua, mas esclarece que trabalha dentro de uma legislação vigente", diz a nota da Smim enviada à coluna.
– Estou desesperada e não tenho ninguém para recorrer. Busco agora uma audiência com a Regina Becker Fortunati (autora da lei estadual, hoje secretária de Trabalho e Assistência Social no governo Leite) para solicitar um respaldo jurídico – afirma Rosana.
Ela e outros moradores criaram um abaixo-assinado online para pressionar a prefeitura a manter as casinhas: até a noite desta segunda-feira (15), havia mais de 6,5 mil assinaturas. Em sua nota, a Smim afirma estar "em contato com a Procuradoria Geral do Município (PGM) e com a comunidade, para que tudo se resolva com diálogo e respeito à legislação".
Velha e Filha, até segunda ordem, têm duas semanas para buscar outro teto.
Leia a íntegra da nota da Smim:
"A Secretaria Municipal de Infraestrutura e Mobilidade Urbana (Smim) informa que realizou ação fiscal com a notificação referente às casas de cães na calçada, no bairro Jardim do Salso, devido a reclamações que recebeu através do 156. A prefeitura tem conhecimento da lei estadual que trata sobre a questão dos cães comunitários. Reconhece o esforço da população em melhorar a qualidade de vida dos cães de rua, mas esclarece que trabalha dentro de uma legislação vigente.
A Lei Complementar 12/75, do município de Porto Alegre proíbe 'embaraçar ou impedir, por qualquer meio, o livre trânsito de pedestres ou veículos nos logradouros públicos'. De qualquer forma, a Smim está em contato com a Procuradoria Geral do Município (PGM) e com a comunidade para que tudo se resolva com diálogo e respeitando a legislação."