Minha irmã e a namorada saíram do show do Guns, na madrugada de quarta, e passaram aqui no jornal para me dar uma carona. Fomos acompanhando, no rádio do carro, a vitória iminente de Donald Trump. Eu no banco de trás, as duas na frente. Achei minha irmã meio quieta, mas continuei calado, esperando para ouvi-la.
– Tem uma coisa que eu sempre penso – ela começou, as mãos no volante. – Será que eles estão certos e a gente é que está errado?
"Eles" eram os eleitores de Trump. Perguntei por que poderiam estar certos.
– Porque representam a maioria. Se eu, como gay, quero que respeitem meus direitos, não é razoável respeitar o que pensa a maioria?
Gosto da maneira como minha irmã vê as coisas. Ela é tão autocrítica em suas certezas, tão preocupada com o espírito democrático, que consegue se colocar no lugar dos outros até quando os outros apoiam algo que, para ela, soa como tragédia. E ninguém contesta que a eleição de Trump significa, ao menos em tese, uma tragédia para as minorias – sejam imigrantes, muçulmanos ou homossexuais.
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Na hora, não consegui responder à pergunta dela, mas depois fiquei pensando: respeitar a maioria é obrigação, o que não quer dizer que a maioria esteja certa. As maiorias erram, e não há nada mais perigoso do que uma maioria errada. Não à toa, a própria democracia desenvolveu instrumentos para impedir que a vontade da maioria prevaleça em uma série de situações. A Constituição, por exemplo. Não interessa se no Brasil a maioria for favorável à pena de morte, à censura, à tortura de presos ou à discriminação. Nada disso pode, a Constituição proíbe e ponto.
Quem exerce essa vigilância é sempre a Suprema Corte: ela interpreta a Constituição e, eventualmente, contraria a maioria que o Congresso representa – ou a maioria que um presidente representa. Porque a democracia não é da maioria. Ela é de todos, inclusive das minorias. Quando a maioria decide qualquer coisa que ameaça, oprime ou cerceia uma minoria, essa maioria está errada. Porque a democracia, repito, ela também é das minorias.
Então, minha irmã, não se culpe por questionar os eleitores de Trump. Você tem razão em respeitar a vontade da maioria, até porque este é o acordo que temos: não há Constituição que proíba a maioria – ou a maioria dos delegados eleitorais, no caso dos Estados Unidos – de decidir quem será o presidente. Assim é o jogo, paciência. Mas, às vezes, quem está certo perde.