Que saudade que me deu. Saudade da sujeirada, dos cavaletes, das placas e dos bonecos de papelão, saudade dos vereadores na TV ao meio-dia, dos muros pintados, das bandeiras em frente às casas, saudade do colorido caótico que a cidade ganhava a cada dois anos. O que fizeram com a campanha eleitoral, meu Deus? Proibiram tudo, Porto Alegre está limpinha!
Jamais pensei que pudesse ter nojo da limpeza. Nunca uma eleição foi tão modorrenta, nunca o eleitor foi tão desinformado. Meus amigos e familiares me perguntam até agora em quem votar para vereador – não sabem sequer quem concorre, porque a nova lei enxotou da TV os aspirantes à Câmara. E os candidatos a prefeito, que agora têm só 10 minutos? Que envolvimento pode ter uma cidade quando há 10 minutos para avaliar propostas de nove pessoas?
Saudade da campanha de rua, que nos jogava na cara os candidatos. Toda aquela sujeira nos contagiava, nos enfiava dentro do debate, nos avisava de que alguma coisa, ali, merecia atenção. Agora, não posso nem abrir a faixa de um candidato em frente à minha casa, não posso nem pintar meu muro com o nome dele, que pago R$ 15 mil de multa. E o meu direito à manifestação política, onde foi parar?
Espinoza dizia que a política não é lugar para razão, é lugar para paixão. Se não há paixão, não há democracia. Porque até o mais cordato dos cidadãos tem seus desejos e, se ele tem desejos, precisa de alguém para satisfazê-los. Pode ser o desejo de comer, de ganhar dinheiro, de se divertir, de ver o filho estudando, de sair à rua em segurança. E um candidato, claro, é a personificação desses desejos.
A democracia se fortalece quando a busca pelos desejos é estimulada, quando o eleitor se engaja na vontade de satisfazê-los e se expressa em nome deles. Aí entram a paixão, a militância, a movimentação das ruas. Quando o militante é apaixonado, ele atrai outras pessoas para a paixão – seja pela empatia ou pela raiva. Só que a minirreforma eleitoral, aprovada no ano passado pelo Congresso de Eduardo Cunha, expulsou da campanha qualquer expressão de paixão.
E por que os políticos teriam interesse nisso?
Respondo com outra pergunta: se a população tem menos instrumentos para conhecer os candidatos, quem se beneficia? Ora, os que já têm mandato. Eles já são conhecidos, têm um eleitorado estabelecido, passam quatro anos levando verbas e obras para suas regiões. Quanto menos campanha houver, mais fáceis são suas reeleições.
Triste é que o marasmo deste ano começou há décadas. Compare um partido brasileiro com um partido americano, francês, alemão ou italiano. Aqui, os dirigentes mandam sozinhos, escolhem os candidatos, não promovem eleições primárias, botam dinheiro em quem quiserem. Até no PT a militância perdeu a voz. Quer dizer: já haviam expulsado a paixão de dentro dos partidos, agora conseguem expulsá-la da rua.
É mais ou menos como no futebol. Os cartolas têm o domínio da estrutura, alternam-se no poder durante anos e anos. Mas sabem que, se perderem a torcida, o clube acaba. No caso da política, o clube é a democracia. Sem torcida, ela não existe. A limpeza da nossa cidade, nas semanas que passaram, não podia ser mais nojenta.