Tem um guri na minha frente jogando Tetris. Que espécie de mãe traz um pirralho de, sei lá, seis ou sete anos, para ver Invocação do mal 2? Porque agora tem um demônio vestido de freira aparecendo no filme, o guri certamente está com medo, então lhe enfiaram um fone nos ouvidos, e ele fica jogando Tetris no celular. Quer dizer, na minha época era Tetris o nome desse jogo com um monte de porcaria caindo do céu.
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Só que a luz do celular reflete na minha cara. Na verdade, a luz só acende nos momentos de clímax, que é quando o diabo do guri se apavora, aí ele volta a jogar Tetris para não ver os espíritos atacando aquela menininha cujo nome esqueci porque a droga do celular me tira a atenção o tempo inteiro.
Preciso dar um jeito nessa luz. Não me sinto à vontade para alertar a mãe do garoto – embora meu desejo mais íntimo seja enforcá-la com aquele fone de ouvido – porque outro dia, no cinema de outro shopping, fiquei meio traumatizado. Havia um casal do meu lado. E a mulher era dessas que narram o enredo do filme.
– Ó, lá vem ele ali, ó!
– Sai daí, minha filha, sai daí!
– Rá, agora é que eu quero ver!
Insuportável. Educadamente, estendi a ponta dos dedos até o braço da moça, cutuquei-a com cuidado e pedi que, por favor, falasse um pouquinho mais baixo e...
– Vai tomar no c*!
Cara, a mulher me mandou tomar no c*! Por Deus que mandou, e com o dedo do meio erguido! Senti o coração disparar, aquilo me deu um mal-estar – estragou o meu programa, mal consegui ver o resto do filme. Que tempos são estes, em que o errado é normal e o certo é absurdo? A que ponto chegou esse egoísmo, que nem no cinema as pessoas calam a boca?
Mas o Tetris.
Não quero repreender a mãe do garoto, então escorrego o meu corpo na poltrona, e ali vou descendo, descendo, até que a cadeira da frente tapa o celular do guri. A luz desaparece, e eu, enterrado no assento, devagarinho vou me concentrando de novo, já posso até sentir a respiração do demônio vestido de freira, o pavor da menininha, mas logo percebo um ruído estranho, parece uma voz falando rápido, muito rápido, rápido demais, e não é o demônio do filme, é uma voz conhecida, uma voz masculina, como é rápida aquela voz, então empino a orelha e percebo que ela diz "olha o toque de bola...".
Pedro Ernesto Denardin.
Um desgranido atrás de mim está ouvindo o jogo do Inter com fone de ouvido!!! O jogo do Inter no cinema!!! Socorro, pelo amor de Deus, me tirem daqui, eu não aguento mais tanto terror num filme!!!
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O vereador Rodrigo Maroni escreveu uma resposta à coluna "Uma coleira para o vereador", publicada ontem. O texto dele pode ser lido aqui.