– Os Beatles? Ah, os Beatles são amor. Os Rolling Stones são sexo, energia, orgasmo total! – responde no estádio a publicitária Arlise Cardoso, 33 anos, com a língua de fora na camiseta.
Alguém dirá que os Beatles pouco importam, que essa comparação já encheu, que o título de maior banda do mundo é uma invenção da mídia, mas perguntar a opinião de Arlise era importante para mim. Sou o maior beatlemaníaco da cidade – pelo menos penso que sou –, mas o que vi ontem no Beira-Rio, meu Deus do céu, o que foi aquilo no Beira-Rio??? Foi sexo, cara! Energia! Orgasmo total embaixo d'água!
Concordo que a rivalidade sempre soou fajuta, só que desde criança ouvi que o melhor é esse, o melhor é aquele, os Stones são rock, os Beatles são pop, e fui aos poucos me envaidecendo da minha própria opinião, aceitando um ambiente competitivo sem medo algum de dizer:
– Pfff, Beatles dá de 10.
Mas aí veio o show de ontem.
Entre os 48 mil presentes no estádio, o designer Luís Fernando Rodrigues, 30 anos, lembrava da apresentação de Paul McCartney. Aquilo foi uma apoteose em família, o amor gritando Hey Jude a plenos pulmões. Não que não houvesse famílias no show dos Stones, havia milhares delas.
– Mas a forma como o público berra e canta é bem menos familiar – concluiu Luís Fernando.
– Porque os Stones ainda exalam cheiro de boteco sujo e garagem tosca – completou o contador Marcelo Benvenutti, 45, para depois fomentar a disputa: – E os Beatles sempre foram do “I love you”, do nhenhenhé, do cabelinho bonitinho.
Aí me ofendeu. Respondi que nada disso, meu amigo!, os Beatles também transgrediram!, se politizaram!, pesaram nas guitarras!, lançaram moda até no bigode!, mas, antes que eu concluísse, a publicitária Arlise Cardoso me ironizou sorrindo:
– Então me chama para ver um show dos Beatles, que aí a gente compara.
É verdade, os Beatles acabaram. Mas, durante aqueles 10 anos em que existiram...
– Depois daqueles 10 anos, os Stones tiveram mais 44 – interrompeu-me o jornalista André Ribeiro. – Como deixar tanto tempo de fora?
Bem, aquilo me tocou. Não me tocou tanto quanto ver quatro septuagenários cheirando a sexo (Charlie Watts um pouco menos, é verdade), mas mostrou-me como os Beatles me fazem órfão enquanto os Rolling Stones ainda me acolhem, ainda vêm aqui me visitar. Quem explicou melhor esse conceito foi o jornaleiro Roger de Lima Castro, 50 anos, que atravessou meses economizando para estar ali:
– Hoje é raro ver uma relação entre duas pessoas durar 10 anos. Imagine uma união de 50 anos envolvendo mais gente. Isso é perseverança, sabe? Isso é respeito aos fãs.
E eu, como fã, agora devolvo esse respeito: porque na noite passada, no Beira-Rio, vi a maior banda de rock de todos os tempos.