Esse recesso de fim de ano, que paralisa o país e interrompe um processo de impeachment para que os deputados possam comer peru, é por um lado revoltante, mas por outro é confortante. E oportuno. E agradável. E bem-vindo e conveniente e vantajoso e, pensando bem, nada pode ser melhor do que esse recesso, que na verdade é um absurdo completo.
Perdão, vou explicar.
O Brasil parou - está pendurado no pincel enquanto deputados jogam dominó de chinelo de dedo. E bem no meio de uma crise da qual precisa sair logo.
Embora a Constituição preveja convocação extraordinária do Congresso em casos de "interesse público relevante", outros interesses têm se mostrado mais relevantes. Porque, bom, Eduardo Cunha e seus amigos tentam retardar ao máximo as votações do impeachment. Acreditam que nos próximos meses o cenário econômico vai se agravar ainda mais, o que desgastaria ainda mais a imagem da presidente.
Quer dizer: eles querem que o Brasil piore. Por isso, não suspenderam o recesso - para dar tempo de o Brasil piorar. Não há estratégia mais hedionda, não há fins que justifiquem esses meios, com representantes do povo trabalhando para arrochar o próprio povo.
Certo.
(Errado, na verdade, mas quis demarcar o fim do raciocínio.)
Só que há nesse recesso um viés salutar e confortante, que já aparece nas rodas de papo, na TV da sala, na caminhada da manhã, na conversa com o barbeiro ou no elevador da firma - há um certo sossego no ar.
Uma espécie de bonança se derramando sobre os brasileiros, que ingressaram estarrecidos em um dezembro frenético que poderia ser resumido assim: deputados se estapeiam, comissão de impeachment instalada, Temer manda carta, cai o líder do PMDB, volta o líder do PMDB, Renan briga com Temer, Kátia Abreu joga vinho em Serra, polícia vai à casa de Cunha, Supremo anula comissão de impeachment, manifestações contra o governo, manifestações a favor do governo, Conselho de Ética alivia Cunha, agências rebaixam nota, 2016 vai ser pior, Levy deixa a Fazenda, Barbosa assume a Fazenda, todo mundo berra junto, o Facebook cospe fogo, então CALEM A BOCA, CHEGA, PELO AMOR DE DEUS!!!
E calaram-se.
Veio o Natal para unir as famílias. E vieram o recesso das empresas, o recesso do Judiciário, o recesso de todo o setor público, como num acordo tácito para encerrar o ano com um pingo de harmonia.
O recesso parlamentar é um descalabro - mas, entre todos os descalabros do ano, nenhum veio tão a calhar.