Uma brisa leve e o som do piano recebiam os senadores. Todos de terno, alguns sem gravata. José Serra olhou para cima e pensou que daquele jeito, encurvadinha, a lua minguante parecia sorrir ao lançar na piscina aquele brilho ameno porém alegre. Aliás, que bela piscina. Que noite começava em Brasília.
Anfitrião da festa, o senador Eunício Oliveira pediu licença: Renan Calheiros, presidente do Senado, havia chegado. Tudo bem, Serra esticou o pescoço à procura de um garçom, ergueu o braço e... não, não, aquele era o Temer. Conversava com Collor, à beira de uma mesa. Parecia bem sério o assunto.
Bom, não era para menos, um deles foi expulso da Presidência, e o outro pode virar presidente daqui a pouco. Serra avaliou que deveria cumprimentá-los. Uma saudação breve, para não parecer inoportuno, um cumprimento educado que incluísse um movimento de quadril para o lado oposto, com o pé esquerdo também mirando o lado oposto, porque assim pensariam que havia gente esperando-o do lado oposto.
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Lá foi ele. Pediu uma taça de vinho a um garçom que passava, um Barolo de cor rubi, aroma de frutas confitadas, toques terrosos e leves notas de funghi, deu um gole, seguiu caminhando e tocou o ombro de Collor. Que homem alto, esse Collor.
- Com licença, senhores.
- Senador José Serra! - respondeu Collor, estendendo-lhe a mão de cacho de banana.
- Como vai, meu amigo? - emendou Michel Temer, em tom afetivo. - Depois precisamos conversar.
Opa, é o futuro presidente querendo conversar! Um ministério, era disso que Serra precisava, um ministério que o arremessasse de novo ao centro das decisões, que lhe desse poder e força para concorrer em 2018 e sagrar-se presidente da República. Imagine a cara do Aécio, já pensou?, aquela cara de...
- Oi, Serra.
- Tudo bem, Aécio?
Meu deus, de novo com a gravata azul? Desde a eleição passada esse cara não tira a gravata azul! E começou o burburinho rumo ao bufê: ravióli ao molho de camarão. Serra levou a mão ao prato, mas desistiu quando notou a animação de um grupo próximo às árvores. Foi fácil reconhecer Ronaldo Caiado, senador ainda maior do que Collor, que fazia a turma gargalhar.
- Aí, rapaz, precisei dar uma injeção na Kátia Abreu! - contava Caiado, médico ortopedista, e a própria Kátia Abreu, uma das poucas mulheres na festa, se divertia com a história.
Que injeção teria sido aquela? Em que local do corpo fora aplicada? Serra ficou curioso, mas achou deseducado perguntar. Encontrou outro jeito de entrar na conversa e, sabe-se lá por que, disse o seguinte:
- Kátia, dizem que você é muito namoradeira.
O piano parou de tocar, os talheres se calaram, a lua se escondeu. Percebendo a fúria vermelha que subia no pescoço da ministra, Renan Calheiros tentou falar:
- Serra, a Kátia se casou neste ano e...
- Você é um homem deselegante, descortês, arrogante, prepotente! - berrou Kátia Abreu, dedo em riste na mão direita, uma taça do vinho Barolo na esquerda. - Por isso nunca chegará à Presidência!
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E jogou na cara de Serra a bebida de cor rubi com aroma de frutas confitadas, toques terrosos e leves notas de funghi. Com o rabo entre as pernas, o senador foi para outro lado. E Aécio sorriu num canto.
Essa é uma história baseada em fatos reais. Na semana em que parlamentares se estapearam, quebraram urnas, trocaram ofensas, ergueram pixulecos e armaram barraco até na festa de fim de ano, o Congresso virou uma novela das nove. Quase sempre dá vergonha, mas de vez em quando até diverte.