É um vídeo antigo, estourou há três anos, mas até hoje é cultuado. Começa com duas perguntas em inglês:
- O que você está fazendo agora? É algo que realmente ama?
Sinto um leve tom de cobrança. Surge uma garota fazendo alongamento, um rapagão de bicicleta, mãos que tocam contrabaixo, pés que dançam balé, uma caminhada no meio da selva, tudo executado por jovens saudáveis e cheios de vida. Vem a voz de novo:
- Milhões de pessoas, neste momento, estão fazendo exatamente o que as faz felizes.
Ó, meu Deus: milhões de pessoas felizes, e eu aqui, um fracassado tomando Toddynho enquanto assiste à perfeição no YouTube.
Compartilhado por centenas de milhares de jovens, o vídeo enaltece a mais cruel imposição contemporânea: a felicidade. É a moda do milênio, ser feliz. Só que nem o culto à magreza ou à beleza pode ser tão rasteiro. Porque a idolatria do corpo é contestada e combatida, tem suas futilidades denunciadas o tempo todo, mas a glorificação da felicidade carrega um falso viés de filantropia, como se fosse muito nobre exigir de todos algo tão elementar na existência humana.
O resultado dessa ode ao bem-estar é uma epidemia de insatisfeitos - especialmente no trabalho. Jovens que, após seis meses no primeiro emprego, decidem morar em Dublin porque estão "cansados". Depois, voltam de Dublin porque "não era para mim". Deprimem-se porque jamais serão felizes como seus amigos, ativistas da alegria que abarrotam o Facebook com fotos de sucesso no amor e na carreira, às vezes acompanhadas de frases edificantes. Uma das preferidas é atribuída a Confúcio: "Escolha um trabalho que ame e não precisará trabalhar um único dia na vida". Em um mês, topei com ela 12 vezes.
Sempre fico imaginando Confúcio, 500 anos antes de Cristo, época em que poucos escolhiam o próprio ofício - quase sempre aprendia-se na família uma atividade para sobreviver -, refletindo angustiado naquela vastidão chinesa:
- Cansei de ser pastor de ovelhas. Com a expansão militar do Império, acho que ferreiro é a profissão do futuro.
Na era do compartilhamento, em que só levamos a público versões maquiadas de nós mesmos, somos todos outdoors de uma felicidade encenada. Somos tudo o que os outros queriam ser - mas, essa é a parte ruim, os outros parecem bem melhores do que nós. E quem mais sofre com a pressão por ser feliz são os mais jovens - e incluo aqui até quem já passou dos 30 -, que idealizam um mundo que jamais será ideal. Porque, no mundo possível, felicidade é algo que se constrói. E construí-la dá trabalho.
- Você está fazendo o que ama neste momento? - pergunta o locutor no final daquele vídeo. - Não? Então comece!
E eu respondo:
- Vá cuidar da sua vida!
*Na edição impressa de ZH, Paulo Germano substitui o colunista Paulo Sant'Ana, que se encontra em tratamento de saúde.