A página Orgulho de Ser Hétero reunia no Facebook mais de 2 milhões de seguidores - o equivalente a 1% da população brasileira - quando foi retirada do ar na semana passada. A derrubada só ocorreu porque milhares de feministas e apoiadores do movimento LGBT se articularam para encaminhar uma enxurrada de denúncias à administração do Facebook, argumentando que a página promovia "discurso de ódio".
Não tardou para vir a desforra. Organizados em novas comunidades, antigos membros do Orgulho de Ser Hétero orquestraram a remoção de páginas ligadas aos grupos rivais. Conseguiram desativar Feminismo sem Demagogia, Moça, Você É Machista, Cartazes & Tirinhas LGBT e a página da youtuber Julia Tolezano, conhecida como Jout Jout, fenômeno de audiência com seus vídeos sobre assédios contra as mulheres.
Ao envolver milhões de pessoas no Facebook, a guerra virtual ilustrou bem aquela que se estabeleceu como principal característica do brasileiro desde a eclosão das redes sociais: a intransigência. Discordo de você? Farei de tudo para calá-lo. E, após calá-lo, me contentarei com o prazer da vingança e com a incauta ilusão de que você, para alívio da humanidade, deixará de existir. Um erro. Um erro que talvez, é verdade, seja natural em um país com apenas 30 anos de democracia e uma cultura assentada em séculos de regimes arbitrários.
Orgulho de Ser Hétero era uma página infantiloide, dedicada a aplaudir discursos de Jair Bolsonaro, frases superficiais de atores fortões e, vez ou outra, piadas de baixo nível com mulheres e gays. Não perderei meu tempo discorrendo sobre o óbvio, sobre nada ser mais disparatado do que um orgulho heterossexual, como se heterossexuais sentissem na adolescência vergonha da própria família, precisassem lutar por seus direitos ou, pior ainda, temessem o avanço de deputados gays sedentos por impedir seus casamentos na igreja.
A questão é que, ao calar 2 milhões, cala-se um pedaço do Brasil. E desliga-se um alerta. Sem esse alerta, tem-se a falsa impressão de que uma fatia do país desapareceu. Tem-se a falsa impressão de que os preconceitos estão sob controle, de que os argumentos contrários são dispensáveis, enfim, tem-se a impressão que o censor quiser.
Mas é discurso de ódio!
Não sei bem o que é discurso de ódio. Se na semana que vem eu escrever um texto em defesa do aborto, e aborto no Brasil é crime contra a vida, talvez alguém me denuncie por discurso de ódio. Paciência. O fato é que qualquer um, ao sentir-se agredido ou insultado, tem o direito de buscar na Justiça as reparações que quiser. Só que o brasileiro, não importa a classe ou a causa, prefere sempre calar seu algoz - o que pode até ser concebível, eventualmente necessário, mas medir os riscos disso talvez seja mais necessário ainda.
Antes que me cobrem, sei que critiquei mais os gays e as feministas do que a represália arquitetada pelos entusiastas do orgulho hétero. É que, no caso deles, foi só mais uma idiotice, nada que me surpreenda. E só não me surpreende, é bom lembrar, porque ainda sei o que os idiotas andam fazendo.
*Na edição impressa de ZH, Paulo Germano substitui o colunista Paulo Sant'Ana, que se encontra em tratamento de saúde.