Na sexta-feira dia 28/04, senti falta de casa.
Moro em Cork, na Irlanda, uma cidade de 300 mil habitantes. Faço mestrado aqui. Em geral, não sinto saudades de casa. Bom, não é que não sinta, ou que eu supostamente seja um ser superior iluminado. Mas sentir saudades de casa e não poder fazer nada a respeito dói. Então compro uns guaranás numa loja de produtos portugueses (!) e ignoro o que der.
Mas na sexta-feira 28/04, senti falta de casa. Muita.
Até a publicação deste texto, muito será dito a respeito da greve do dia 28. Muita gente disse que "quem de fato queria trabalhar não podia", pelo bloqueio de avenidas e aeroportos etc. Muito foi dito sobre partidos e sindicatos. Muito foi dito sobre a escolha da data – próxima demais de um feriadão, considerado conveniente; ou distante demais de um final de semana, data em que não teria tanto impacto.
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Mas houve greve. E se expressou insatisfação. São fatos. Michel Temer tem 4% de aprovação – outro fato. Eu, com ingenuidade à distância, imaginava que os outros 96% estariam protestando.
O presidente tentou explicar a necessidade de reformas com comparações a marido que controla orçamento. Inclusive, seria tema para outra crônica sua obsessão com donas de casa e orçamento. Mas de volta ao tópico: o governo usou Ratinho, condenado pela Justiça pela falta de condições de trabalho identificada em sua fazenda, como porta-voz da reforma trabalhista.
Não se pode usar controle de orçamento como justificativa para destruir direitos trabalhistas. Afinal, mexem nos direitos, mas não nos supersalários do Legislativo, Executivo e Judiciário, com tetos que crescem como "governo sem marido". Ou seja, o argumento de enxugar o orçamento não funciona.
Lembram que disse que quando sinto saudades de casa compro guaraná e ignoro o que der? Isso não deu.
Em matéria recente do blog da revista InfoMoney, 73% dos empresários paulistas acreditam que a reforma trabalhista não incentiva ampliação de investimentos e contratações. Assim, o argumento de “patrão negociando diretamente com o trabalhador” criaria mais empregos também cai.
Mais um: o cassetete de um PM quebrou ao atingir cabeça de um estudante, Mateus Ferreira da Silva, em Goiânia. Tente pronunciar traumatismo cranioencefálico sem sentir o retorcer do estômago. Talvez esse nem seja o tópico do texto, mas eu precisava que essa informação ficasse marcada. Ele, junto de Rafael Braga, não deu para ignorar com guaraná.
Senti falta de casa porque queria participar. Mesmo que, segundo relatos, tenha sido "um fracasso". Desse lado do Atlântico, pela pouca cobertura que houve, não pareceu nada disso. Senti falta de ser parte de uma democracia, algo tão delicado e em risco no Brasil. Mesmo até que estivesse errada.
Eu teria um cartaz no meio da greve. Eu, introvertida e com tendências a ataque de pânico. Os protestos teriam me tirado de casa. Não porque não tenha mais o que fazer (traduções, uma tese de 40 mil palavras, artigos), não porque seria afetada por isso.
Algumas das reformas até podem ser necessárias, vá lá, outro tópico para outra coluna. Mas não assim.
Tudo isso talvez não caiba num cartaz. Mas é esse meu cartaz.
E sentir saudades de casa e não poder fazer nada a respeito dói. Esse é meu cartaz.