Não foram poucos analistas que falaram nos últimos dias sobre o agravamento de um histórico ressentimento do México com os Estados Unidos. O presidente Donald Trump, ao decretar a construção de um muro nos 3,2 mil quilômetros da fronteira entre os dois países, reaviva antigas mágoas. A história entre os dois países remete à primeira metade do século 19, principalmente no Texas. O muro parcial já está presente desde 1994 (curiosamente, ano em que se consolidou o tratado norte-americano de livre comércio, o Nafta) em 1,1 mil quilômetros, 33% da fronteira entre os dois países. A um custo de entre US$ 12 e US$ 15 milhões, percorrerá agora, sob Donald Trump, toda a extensão fronteiriça, com o valor sendo cobrado do México na base de 20% sobre as exportações.
E os mexicanos com memória mais fresca pensa no quê? Como diz o historiador Leo Piltcher, "o primeiro censo norte-americano, feito em 1790, mostrava que os EUA tinham cerca de 2,3 milhões de quilômetros quadrados". Aí, diversas guerras e tratados depois, os EUA abocanharam algo como 60% do vizinho de quem agora quer ficar apartado como se fossem todos seus habitantes bandidos em potencial, entre traficantes e sequestadores. Hoje, os EUA são um colosso de 9 milhões de metros quadrados, incluindo também o Alasca.
– A guerra de 1846, um imenso trauma nacional, já pertencia, para o imaginário mexicano, a uma espécie de pré-história – diz o historiador mexicano Enrique Krauze, para quem "a ferida foi reaberta".
Os problemas que se erguerão com o muro são imprevisíveis. Trump diz que vai garantir empregos aos americanos. Sim, mas os EUA enviavam ao México multinacionais que costumavam empregar a população local sob baixos salários e condições precárias de trabalho. Foram várias as cidades, como Juarez e Tijuana, que se formaram em torno desses empreendimentos, em especial na fronteira, com urbanização acelerada, marginalização e tráfico de drogas, consequências perversas de um mal que se quer combater.
Disso resulta que, além da diminuição no comércio bilateral e do refluxo do que vinha sendo uma integração geralmente benéfica para os EUA, o muro tende a dividir aglomerações urbanas fronteiriças. E isso não se refere apenas a terras, mas a pessoas. Famílias devem ficar divididas pelo muro de Trump.
– É insensato que, em um mundo globalizado, vão se construir muros, e muito menos que um país vizinho tenha a obrigação de construí-lo – diz o historiador mexicano Christian Ramírez, diretor da Coalizão de Comunidades Fronteiriças.
São US$ 500 bilhões de trocas anuais entre os dois países e algo como 35 milhões de mexicanos vivendo em solo americano. Mas o muro vai além do dinheiro e dos imigrantes. Fomenta ressentimentos, prejudica até a fauna local, impõe retrocessos a progressivas aproximações históricas e, ao mesmo tempo em que assegura empregos para americanos, certamente diminui a influência internacional dos EUA.