Guardem bem este nome: Tareck el-Aissami.
Governador do Estado de Aragua, foi nomeado pelo presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, como seu novo vice-presidente.
Vocês sabem o que isso significa? El-Aissami tem grandes chances de ser o próprio Maduro dentro de alguns poucos meses.
Por quê? Porque o referendo revogatório previsto constitucionalmente na Venezuela tem aquele detalhe onde o diabo mora: se tivesse ocorrido até 10 de janeiro (isso é totalmente inviável, evidentemente), Maduro seria retirado do poder e haveria novação eleições. Depois do dia 10 (a próxima terça-feira), o referendo não leva mais a uma nova eleição, mas à substituição do presidente pelo seu vice. E aqui entra o detalhe do detalhe, onde também vive o tinhoso: na Venezuela, o vice não é eleito na chapa com o presidente, mas escolhido por este a qualquer momento, como um ministro, que pode ser exonerado e empossado das maneiras mais fáceis, rápidas e, para o governante, indolores.
Ou seja, Tareck el-Aissami provavelmente será o futuro títere de Maduro.
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Em meio ao absoluto caos socioeconômico e a uma ruptura sem volta entre os poderes, em uma crise institucional sem solução possível à vista, Maduro tem baixíssima popularidade. Entre 70% e 80% dos venezuelanos o querem longe.
Retomando outros números: 80% de desabastecimento nos produtos básicos (alimentos e medicamentos), inflação projetada em 700% ao ano, filas quilométricas que envolvem os prédios dos supermercados como se fossem jiboias, gente doente que precisa de remédios simples, mas que não os encontra e se vê desenganada por absoluta inépcia dos governantes. Assim está a Venezuela que Maduro insiste em governar, por conta própria ou alheia.
Se o referendo, boicotado insistentemente pelo presidente, realmente ocorrer, bastarão 51% dos votos para ele sair. Por quê: porque a revogação do mandato, para vingar, precisa de apenas os votos conseguidos pelo eleito - no caso, Maduro, em abril de 2013, sobre o opositor moderado Henrique Capriles. E é importantíssimo lembrar: a eleição de Maduro ocorreu ainda com a comoção geral pela morte do seu antecessor e mentor Hugo Chávez, um mês antes. A furiosa crise socioeconômica também não havia se iniciado naquele momento, e a apuração dos votos foi pra lá de suspeita. Este colunista estava em Caracas.
Agora, Maduro joga sua nova e decisiva cartada:
- Designei como vice-presidente executivo da República o companheiro Tareck El Aissami, para que assuma esta etapa 2017-2018, com sua juventude, com sua experiência, com seu compromisso e sua valentia - anunciou Maduro em reunião do gabinete transmitida pela TV estatal ontem à noite.
Claro que Maduro já sabe, mas não explicita: como vice-presidente, o jovem Tareck El Aissami, 42 anos, assumirá a direção do país caso ocorra o referendo revogatório de mandato em 2017 e Maduro seja derrotado.
E aí veio o futuro títere El-Aissami no Twitter: "Temos que seguir recuperando o que Chávez nos ensinou: governar obedecendo o povo, o socialismo é o caminho para se salvar a pátria, não o capitalismo, não a burguesia, não a direita terrorista e criminosa". O mesmo linguajar do chefe, ignorando o caos nacional!
Referendo revogatório esvaziado
A coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática (MUD) - que controla o parlamento - anunciará em breve sua nova estratégia contra Maduro, e, até mesmo, poderá ou não seguir com a iniciativa do referendo revogatório, que, à esta altura, tornou-se um instrumento vazio.
El-Aissami substitui Aristóbulo Istúriz, 70 anos, como parte da reestruturação do gabinete anunciada por Maduro para "recuperar e expandir a revolução bolivariana em todos os planos; moral, econômico, político e internacional".
O novo vice-presidente, de origem sírio-libanesa, foi líder estudantil, advogado e é um dos dirigentes mais influentes do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) como governador de Aragua, um dos Estados mais violentos do país.
- Disse a ele: "Tareck, trabalhe noite e dia pela segurança do povo, na luta contra os criminosos, na luta para depurar as polícias regionais, na luta contra os terroristas da extrema direita - relatou Maduro.
Linha-dura e ameaça ao parlamento
Em 2005, El-Aissami foi eleito deputado da Assembleia Nacional Legislativa, antes de o então presidente Hugo Chávez o designar vice-ministro da Segurança Cidadã, entre 2007 e 2008. Depois, Chávez o nomeou em 2008 ministro das Relações Internas e Justiça, cargo que desempenhou durante quatro anos, antes de chegar ao governo de Aragua. Portanto, é da total confiança chavista.
Tido como da linha-dura do chavismo, o novo vice foi eleito governador com mais de 55% dos votos em 2012. Porém, não conseguiu fazer nenhum deputado governista em seu Estado na eleição parlamentar de 2015. Líder estudantil nos anos 1990, é advogado e foi eleito deputado em 2005. Três anos depois, começou seu périplo pelos cargos nos ministérios de Chávez.
Mas, vejam bem, a estratégia ainda não está completa: Maduro, no mesmo instante em que anunciava El-Aissami, ameaçava o parlamento, de maioria oposicionista (claro, os deputados foram eleitos pelo voto direto...), de dissolução, para convocação de novas eleições. O motivo para tanto? Ah, o mais simples, em tudo isso, é conseguir uma boa desculpa para tantos desmandos.
Gabinete novo
Além da escolha de El-Aissami, Maduro promoveu uma reforma ministerial que levou a trocas em ministérios e na estatal petroleira PDVSA. Aristóbulo Istúriz, ao deixar de ser vice, vira ministro das Comunas. O anúncio foi feito no lançamento de um plano bienal, que chamou de Agenda Carabobo.
Dentre as mudanças do gabinete, estão a volta do ex-vice-presidente e ex-chanceler Elías Jaua, que assume a Educação, e a nomeação de Adán Chávez, irmão de Hugo Chávez (1954-2013), para a Cultura. Foram fundidos os ministérios da Economia e das Finanças, que passam para as mãos do deputado Ramón Lobo. Na pasta do Petróleo, estará Nelson Martínez, presidente da Citgo, braço internacional da PDVSA. Martínez substitui Eulogio del Pino, que se torna presidente da petroleira venezuelana. A alegação de Maduro para a reforma é de que precisava de "um conjunto de companheiros, em que se combine a experiência com o compromisso".
Manobra finalizada com esperado êxito
El Aissami é o terceiro vice-presidente da Venezuela desde que Maduro assumiu, em 2013. O primeiro foi Jorge Arreaza. Os rumores de uma nova troca circularam durante todo o ano passado, principalmente devido ao risco de que o chavista fosse derrubado no referendo revogatório de seu mandato que desejava a oposição. Para tanto, foi tratado, primeiro, de esvaziar o referendo, remetendo-o para 2017. Era uma manobra feita às claras, uma trama política contra a qual a oposição não tinha muito o que fazer, apenas acompanhava intrigada. No ano passado, chegou a ser cogitada para o cargo a mulher de Maduro, Cilia Flores, que assumiria se o chavista caísse na consulta. Com o atraso no cronograma da votação, a substituição ficou em segundo plano.