Você é uma menina, uma adolescente que, como todas nessa fase, começa a descobrir sua sexualidade. Você conhece um menino. Ele parece bacana. Vocês ficam. Começam a trocar mensagens e fotos. Sua mãe já disse pra não fazer, mas ele parece tão confiável... Um dia vocês terminam e ele ameaça expor as fotos.
A culpa é de quem?
Dizer para que as mulheres simplesmente não enviem fotos não é apenas culpar a vítima da exposição, é também tolher a sexualidade dela. Sabemos que, num mundo ideal, isso sequer ocorreria. E também que o ideal seria que só mulheres adultas e responsáveis, com discernimento, praticassem essas trocas. Orientar as meninas a não mandar fotos íntimas é uma forma de protegê-las, já que o mundo é esse lugar horrível, mas partimos de um princípio errado.
A culpa nunca é da vítima. A culpa é do boçal que ameaça quebrar sua confiança. Isso é crime; temos vários casos de homenzinhos que divulgaram imagens íntimas das ex-companheiras e hoje estão presos. Se a vítima foi menor de idade, um artigo do Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena para quem adquirir, possuir, armazenar, por qualquer meio, fotos e vídeos íntimos.
Há algumas semanas, uma subcelebridade teve uma foto íntima "vazada". Era um homem. Como ele estava dentro do que se espera de um homem másculo e normativo, o que aconteceu? Muitas piadas. Memes. Ele mesmo entrou no jogo. Teve até anúncio associando seu, hm, físico avantajado com vigor e virilidade.
Aí começou: "Quando é nude de mulher vocês fazem escândalo, quando é de homem ficam tudo se mandando no WhatsApp e comentando".
Entendo que o que está em questão é a privacidade da pessoa e que foto alguma deve sair do âmbito privado sem consentimento, mas vamos lá, pensem comigo. Que homem teve sua vida devastada depois de um nude na rede? Que homem foi perseguido e até estuprado porque, se mandou foto pelado, é vagabundo? Piranho? Quem perdeu o emprego por ter o órgão sexual exposto? Que homem teve que deixar de frequentar a escola por estar sendo hostilizado?
Essa é a famosa falsa simetria. Não é a mesma coisa pra um e pra outro porque homens e mulheres não são tratados da mesma forma, especialmente quando se trata de corpo e de sexualidade. Enquanto o homem é criado para ser garanhão, pegar todas e tem sua sexualidade encorajada desde a mais tenra idade (quem lembra do Neymar dizendo pro filho, de uns dois anos, mostrar como "beija as menininha", em uma cena grotesca de um bebê fazendo movimentos com a língua?), as meninas são incentivadas a serem recatadas, a não mostrarem o corpo, sequer conhecerem o corpo. Sentar direito, perninha fechada.
É o fim do mundo que uma garota possa ser ameaçada pela exposição de sua intimidade. Quanto mais jovem, pior a consequência. Várias meninas já entraram em depressão e até se suicidaram.
Pais e mães de meninos: vocês precisam falar com os filhos de vocês. Precisam rever os conceitos de masculinidade que destroem a humanidade dos meninos e os transformam em pessoas cheias de raiva e sem empatia. Eu, mãe de menina, faço o que posso. Mas é muito complicado reeducar filho dos outros. "Seja homem. Seja comedor. Não chore. Não seja mulherzinha." Chega disso. "Prende as suas cabras que meu bode tá solto." Seu filho é um bode? Seu filho não é um bode. Aliás, nunca conheci um bode que ameaçasse expor cabras, então: por favor.
Eu sei que a família não é a única responsável pela educação, posto que não vivemos em uma bolha e a sociedade toda influencia nossas crias. A mudança tem que ser total. Estrutural. E vai demorar. Façamos a nossa parte. Ensinem respeito. Sem essa de que mulher tem que "se dar respeito". O respeito é nosso. Por direito.