Na era da informação instantânea, até que a morte de Fidel Castro, às 22h29min locais (1h29min pelo horário de Brasília) foi anunciada com a rapidez dos novos tempos. Coube ao seu irmão e sucessor desde 2008, Raúl Castro, ir à TV estatal durante a madrugada para noticiá-la, dizendo que ele seria cremado, tal como desejava. E ainda acrescentou que novas informações sobre os funerais do grande ícone da esquerda latino-americana, cuja última aparição ocorrera no dia 15 de novembro (ao receber o presidente do Vietnã, Tran Dai Quang), seriam divulgadas em breve. Tudo muito rápido se pensarmos nos antigos padrões stalinistas. Fidel fizera o último discurso, já uma raridade, em abril, no mais recente congresso do Partido Comunista. Na ocasião, reconhecera o peso da idade avançada, mas reiterara que os conceitos socialistas cubanos ainda eram válidos e que o povo cubano seria "vitorioso".
Todos esses últimos momentos têm algo de antigo e também de novo no grande paradoxo do momento em que Cuba já não conta há tempo com o apoio soviético e, agora, nem com o petróleo subsidiado de um chavismo decrépito. É o momento em que restou ao governo cubano se dedicar à abertura e ao reatamento diplomático com os EUA, mas em que Raúl e outros sobreviventes da revolução ainda tentam manter algum verniz do socialismo que tanta controvérsia provocou com seus avanços sociais paralelos a liberdades restritas.
Mas há algo que se perdeu no tempo de forma inequívoca e que ainda provoca alguma perplexidade. Muitas das referências esquerdistas ou morreram ou tiveram a reputação posta em xeque depois de terem assumido o poder e caído na tentação de práticas que tanto condenaram. Aqui em Zero Hora, atualizando informações de um longo obituário, fotos de antigos aliados provocam certo desconforto. Para ficar apenas no Brasil, aparecem diversos personagens que saíram de cena. O mais emblemático talvez seja José Dirceu.
A música de Cazuza é lembrada com certa naturalidade: "Meus heróis morreram de overdose / Meus inimigos estão no poder". Fidel se despediu do mundo mantendo o discurso de crença nos seus ideais, mas com seus inimigos chegando ao poder, amigos alijados da vida pública ou perdendo espaço e com a emblemática figura de Donald Trump (eleito presidente dos EUA quando Havana e Washington celebram o histórico reatamento) liderando a turma daqueles que o líder socialista mais rejeitaria. Na América Latina, Fidel morreu vendo o avanço de uma onda liberal que contraria seus princípios de um Estado forte, catalizador da divisão de renda. Não se entra no mérito, mas a onda temperada pelo individualismo como força matriz surpreendeu ao atingir seu auge nesta segunda metade da década de 10 do Terceiro Milênio.
E Fidel morreu sem saber como dobraremos esta esquina da humanidade.