A morte de guerrilheiros das Farc na Colômbia, as primeiras documentadas desde a vigência do cessar-fogo, gera preocupações sobre a sustentabilidade da paz com os rebeldes, com os quais o governo acaba de alcançar novo acordo para terminar meio século de conflito. Analistas como Ariel Ávila dizem que fatos assim mostram "o quão frágil é o cessar-fogo bilateral". Ávila adverte para o risco de novos incidentes com membros das Farc, que já começaram a se reunir para a posterior deposição de armas, provocarem um retrocesso.
O cessar-fogo e de hostilidades, em vigor desde 29 de agosto passado, "pode se romper (...) porque as condições de concentração não são claras; seja porque as Farc estão sem dinheiro nos acampamentos e tentam arrecadar", disse esse especialista da Fundação Paz e Reconciliação.
O organismo tripartite de controle do cessar-fogo expressou na quinta-feira, em um comunicado, sua "preocupação" com "a morte de duas pessoas das Farc" e anunciou investigação sobre "os fatos ocorridos em 13 de novembro" em Santa Rosa (Bolívar, norte), um dia depois de ser firmado um novo acordo em Havana, sede das negociações de paz iniciadas em 2012.
Esse Mecanismo de Monitoramento e Verificação (MM&V), integrado por representantes do governo, das Farc e das Nações Unidas, informou que fará "as recomendações necessárias para evitar que se repitam incidentes desse tipo".
As Farc, principal e mais antiga guerrilha do país, pediu a rápida aplicação do novo acordo, que estabelece condições para sua reinserção à vida civil.
"Nenhum morto se justifica a estas alturas do processo. Esperamos clareza o mais rapidamente possível sobre o ocorrido", tuitou na sexta-feira, com a hashtag #ImplentaciónYa, o líder das Farc, Rodrigo Londoño, conhecido por seus nomes de guerra Timoleón Jiménez ou Timochenko.
"Vamos exigir (...) que se faça uma perícia forense para determinar se houve combate ou não", disse o comandante guerrilheiro Carlos Antonio Lozada em um vídeo difundido na quinta-feira pelas Farc, no qual questiona a versão do exército de que os guerrilheiros morreram em um confronto.
O representante das Farc no MM&V, Marcos Calarcá, disse que, "na próxima semana", o mecanismo tem previsto entregar "um informe sobre esse tema".
No sábado passado, ao anunciar o novo acordo de paz, o presidente Juan Manuel Santos sublinhou que "o cessar-fogo é frágil" e que "a incerteza gera temores aumenta os riscos de jogar no lixo esse imenso esforço".
O representante do Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos na Colômbia, Todd Howland, advertiu para "um aumento da violência em várias partes do país por falta de implementar de forma integral" os acordos de paz.
- Cada dia que passa é uma ameaça - avaliou Leyner Palacios, representante das vítimas do conflito, que defende a implementação imediata do acordo.
Para o especialista em conflitos armados Frédéric Massé, professor da Universidade Externado de Bogotá, o ocorrido "é um caso isolado" e "não é provável que se rompa o cessar-fogo". "Mas não deveria se repetir com muita frequência", acrescentou, destacando que "é preciso esperar os resultados da investigação" para determinar se se tratava, conforme indicaram algumas fontes, de guerrilheiros fazendo extorsão. Seria "mais preocupante se, por trás, houvesse uma diretriz" de líderes das Farc, observou.
De acordo com Jorge Restrepo, diretor do centro de análises do conflito Cerac, "isso demonstra que só o desarmamento pode levar a parar por completo as atividades criminosas das Farc".
De acordo com o especialista, os opositores de Santos, liderados pelo ex-presidente de direita Álvaro Uribe, que dirigiu a campanha contra o primeiro acordo, devem levar em conta o "enorme risco" de que se reinicie uma guerra fratricida, que envolveu guerrilhas de esquerda, paramilitares de direita e agentes do Estado, deixando mais de 260 mil mortos, 60 mil desaparecidos e mais de 6,9 milhões de deslocados.