Aos poucos, todas as noções básicas de democracia vão sendo destroçadas na Venezuela, como se fosse o desmoronamento de um prédio pilar a pilar.
O presidente Nicolás Maduro submeterá o orçamento da Venezuela para 2017 à avaliação do Supremo Tribunal de Justiça, em vez de enviá-lo ao parlamento de maioria opositora, uma manobra que atinge em cheio o Poder Legislativo e pode trazer graves consequências econômicas.
"O Tribunal Supremo de Justiça declarou que o orçamento deverá ser apresentado pelo presidente da República diante da Sala Constitucional (do TSJ), sob forma normativa de Decreto que terá força de lei", anunciou a corte de justiça em um comunicado oficial publicado nesta quarta-feira.
A decisão foi criticada imediatamente pelo líder da bancada opositora, Julio Borges, que argumentou que "não há, nem por estado de exceção nem por decreto de emergência, possibilidade de que Maduro faça seu próprio orçamento", em uma mensagem no Twitter.
O tribunal fundamentou sua decisão no "propósito de manter o funcionamento do Estado, a garantia dos direitos fundamentais e a ordem constitucional". Também argumentou que a medida responde ao "desacato que voluntariamente mantém um grupo majoritário de deputados que integram a Assembleia Nacional, em relação a sentenças do TSJ e à Constituição, assim como ao Estado de Exceção e Emergência Econômica", que está em vigor desde março passado.
- Não há, nem pelo Estado de Exceção, nem por decreto de emergência, a possibilidade de Maduro fazer seu próprio orçamento - assegurou Borges, líder da bancada da Mesa da Unidade Democrática (MUD, oposição).
A MUD acusa o TSJ de atuar a serviço do governo (chamam-no de "escritório de advocacia do chavismo"), que bloqueou as iniciativas do parlamento dominado desde janeiro pela oposição. Por sua parte, José Guerra, presidente da Comissão de finanças da Assembleia Nacional, fez "alerta aos bancos da Venezuela, aos bancos estrangeiros e aos bancos de investimentos que se abstenham de conceder financiamento a um governo que comete uma ilegalidade".
- A decisão do tribunal menospreza as faculdades do Legislativo e gera cada vez mais desconfiança sobre a Venezuela - observou o analista financeiro Jesús Casique. - Será algo mal visto pelos mercados e vai afetar o nível de risco país da Venezuela, que é dos mais altos do fundo.
Leia mais colunas de Léo Gerchmann sobre a Venezuela e a América Latina
Reportagem especial sobre a Venezuela 1
Reportagem especial sobre a Venezuela 2
Reportagem especial sobre a Venezuela 3
Em vídeo, o que vimos na Venezuela
A oposição venezuelana ensaia nesta quarta-feira a coleta das milhões de assinaturas necessárias para convocar um referendo revogatório contra Maduro, que será realizada em duas semanas com o objetivo de demonstrar que uma contundente maioria quer sua saída do poder. Grupos de opositores se concentraram nos 1.356 pontos de coleta de assinaturas estabelecidos pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) para onde, de 26 a 28 de outubro, os venezuelanos que pedem o referendo devem se dirigir. Na simulação, a coalizão opositora motiva os eleitores a superar amplamente as 4 milhões de assinaturas (20% do colégio eleitoral) exigidas pela lei para convocar a consulta.
A MUD pretende que a coleta, que chamam de "firmazo" (assinaço), torne-se simbolicamente uma espécie de referendo revogatório contra Maduro, diante da severa crise econômica que angustia os venezuelanos pela escassez de alimentos e remédios (em incríveis 80% da cesta básica) e de uma elevada inflação que o FMI projetou em 720% para este ano.
- Em duas semanas, seremos milhões de venezuelanos que vamos exigir esse caminho constitucional para mudar o governo. Revogar Maduro é revogar a crise - declarou o ex-candidato presidencial Henrique Capriles.
Mas, como é habitual, o chavismo organizou em resposta uma concentração na Plaza Venezuela, no centro de Caracas. Ainda não foi confirmado se será liderada pelo presidente, que retornou nesta quarta-feira de viagem à Turquia.
- Viemos apoiar a revolução e Maduro, ainda que existam adversidades. Dando as costas a ele não vamos solucionar nada - afirmou Darwin Arroyo, um jovem que caminhava em direção à manifestação do chavismo.
Embora o CNE já tenha anunciado que o referendo será realizado em fevereiro ou março - se forem reunidas as 4 milhões de assinaturas -, a MUD insiste em que seja feito este ano porque, caso isso aconteça, se Maduro perder será preciso convocar eleições antecipadas, mas se ficar para 2017 e ele for revogado, seu vice-presidente deverá concluir seu mandato até 2019. E o detalhe é o mais importante elemento desse contexto: o vice, na Venezuela, é indicado pelo presidente a qualquer momento. Maduro pode pôr um "laranja" no seu lugar.
Segundo a empresa Venebarómetro, sete em cada 10 venezuelanos querem uma mudança de governo e 76,4% reprovam a gestão de Maduro.