O livro "Terra Negra", de Timothy Snyder, é daqueles que ficam mais presentes na mente do leitor depois de lidos.
Muito mais que revelar os riscos que corremos no século 21 com seus extremismos e intolerâncias, a obra descreve o extermínio de judeus como um evento mais compreensível do que gostaríamos de admitir – e, por isso, bem mais aterrorizante. E, na essência, mostra quão perverso é o antissemitismo.
O início do século 21 se parece com o início do século 20 em vários aspectos, na medida em que preocupações crescentes com alimentos e água acompanham desafios ideológicos à ordem global e podem provocar efeitos secundários. Nosso mundo se aproxima do de Hitler, e preservá-lo pede que encaremos o Holocausto como ele foi. "Terra negra" revela um Holocausto que não é apenas história, mas também advertência. E é nisso que está o eixo de tudo.
Mais que de Holocausto, falemos de antissemitismo.
E de advertência!
Ao ler Snyder, penso na perversidade do racismo – e o antissemitismo é racismo de uma perversidade impressionante. Snyder diz que a ausência de um Estado com instituições sólidas favorece a perseguição a um grupo humano. A barbárie toma conta. Não por acaso, o campo de Auschwitz ficava na Polônia, que fora invadida por alemães e soviéticos. Era uma terra na qual os perseguidos não tinham a quem recorrer. O autor fala também no papel das pessoas que salvaram judeus. Mostra como elas corriam contra uma corrente poderosa, porque o antissemitismo não era algo estranho, estava entranhado na cultura europeia fazia séculos.
O curioso é que, quando o asqueroso acordo Pacto Molotov-Ribbentrop foi assinado e a Polônia foi fatiada, além de as instituições ficarem em frangalhos e de um país ter a existência negada, os judeus eram vistos por um lado como bolcheviques, responsáveis por uma visão de mundo que Hitler repudiava, e por outro como responsáveis pelo estilo de vida ocidental. Por quê? Porque falava em solidariedade, em igualdade, em justiça social, em concepção científica sobre a organização social, algo que o nazismo repudiava. Enfim, falava em civilicação, a tão castigada civilização ocidental, com suas inegáveis conquistas. E Hitler queria um mundo dominado pela raça superior a partir de um sistema em que imperava a truculência.
O pacto entre comunistas e nazistas, fim dos anos 1930, é de uma tristeza infinita e deixa lições pouco aprendidas.
O chanceler soviético teve de ser substituído por ser judeu, você sabia?
E mais: os judeus soviéticos também sofreram muito. Por quê? Porque, em razão de diversos desdobramentos históricos que vinham de séculos, trabalhavam com comércio, medicina e finanças. Ora, quando se esvaíram as instituições, os judeus também foram castigados por perder suas propriedades. E, claro, o chamado homem comum, famélico em meio à guerra, aproveitou-se da situação para ocupar o que estava vago.
E é neste momento que trago não o Holocausto, mas o antissemitismo, de forma ampla, para o início do século 21.
É exasperante ver vultos socialistas continuarem a se aproximar do que há de mais obscurantista e contrário aos seus próprios valores.
Deveria, em tese, ser o oposto!
Curiosidade: no início do século 20, o judeu tinha traços marcantes, com nariz adunco e outras características físicas que, no imaginário, confundiam-se com a visão do ganancioso. Hoje, que temos o Estado de Israel, há irresponsáveis que vão pelo caminho oposto para justificar seu antissemitismo. Tentam dizer que o povo unido por uma das tradições mais longevas e marcantes, não é povo. É o contrário do que se dizia antes!!! E vejam como isso é perverso: claro que o objetivo disso é desligitimar o Estado de Israel.
O antissemitismo de hoje se reveste do semtimento anti-Israel.
Você pode torcer o nariz à vontade. O que posso fazer? Na Alemanha nazista, era muito difícil ir contra a onda antissemita que se formava com as mais absurdas justificativas.
Recupero aqui trecho de artigo que escrevi tempos atrás, cujo artigo era "Basta de antissemitismo": (...) referir-se a judeus como poderosos remete a uma forma rasteira de antissemitismo, praga que parece em alta. É difícil para um judeu abordar assunto tão doído, mas o artigo do antropólogo (que descreveu judeus como "poderosos" e dados a sacrifícios ritualísticos de animais) e outros episódios recentes, como seminário numa universidade sobre o “apartheid de Israel”, levaram-me a um basta. Sou autor do livro "Coligay – Tricolor e de todas as cores" (e também, agora, de "Somos azuis, pretos e brancos" e "Viagem à alma tricolor em sete epopeias", fechando minha trilogia gremista), um grito pela diversidade. Falar de antissemitismo me é especialmente ardido, como tocar numa ferida de cicatrização precária. Então, vamos por tópicos:
1) Dá para definir o judaísmo num tuíte? O sábio Hillel digitaria: “Não faças ao próximo o que não queres que façam a ti”. No mais, há “70 formas” de interpretar a Torá, e deve-se ter a fé monoteísta.
2) Judeus são poderosos? Perseguidos por manter sua cultura em detrimento da fé dominante, a esse povo de intensa coesão étnica era proibido, na Idade Média, trabalhar a terra. Restavam-lhe atividades como a médica e a bancária, vedadas aos cristãos. Pronto: bruxos e usurários! Quando a nobreza se endividou, a solução foi matar o credor, recorrendo à Inquisição, uma das tantas perseguições antissemitas.
3) Têm presença forte na mídia e no entretenimento? Muitos aderiram a essas atividades em razão de uma afeição atávica pelo conhecimento (“um tesouro que ninguém te tira”, dizia minha avó sobrevivente do Holocausto) e por serem as que lhes restaram, como no item anterior.
4) Há apartheid em Israel? Os negros, na África do Sul, não tinham extremistas querendo aniquilar uma nação, e os árabes participam da democracia israelense. Sou um entre tantos judeus que defendem dois Estados e discordam das colônias erguidas pelo governo de Israel na Cisjordânia – mas reivindicam o direito de defesa.
5) Alguma conclusão? Os judeus foram expulsos de Israel pelos romanos em 70 d.C. Passaram por perseguições que culminaram no Holocausto. O sionismo, movimento de libertação nacional confundido perversamente com ideários pouco edificantes, preconiza a paz e um Israel seguro – ao lado da Palestina. Ajudem-nos a terminar com tanta incompreensão.
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O livro de Snyder é esclarecedor ao falar sobre a onda difícil de ser contraposta.
Tão perverso é o antissemitismo, que baila de acordo com a música horripilante que esteja sendo tocada. Ora o judeu é um povo bem caracterizado, com traços próprios e natural índole duvidosa, ora não é um povo, nas palavras de um sujeito chamado Shlomo Sand, que fez um desserviço aos seus e, ao mesmo tempo, encanta aqueles que estão prontos para justificar o preconceito odioso.