Goste-se ou não do candidato republicano Donald Trump, uma coisa é certa: ele é belicoso, suas palavras e gestos sempre beligerantes. Não que Hillary Clinton seja particularmente simpática. O charme de seu marido, a candidata democrata certamente não tem. Às vésperas do primeiro debate das eleições americanas, em 26 de setembro, urge saber: como as políticas de combate ao comércio internacional de um e de outro haverão de afetar os EUA, o mundo?
Estudo recém-publicado pelo Peterson Institute for International Economics (PIIE), onde trabalho, aborda esse tema. Mas, antes de tratar de seus resultados, vale salientar algo inusitado nessa campanha desvairada – é a primeira vez desde muito, quiçá desde sempre, que o comércio internacional tem papel preponderante em um pleito presidencial nos EUA. Na verdade, trata-se de mais do que o comércio. Todos os alicerces da globalização estão em jogo, passando pelas controvertidas propostas para estancar a imigração de Trump à sua mais recente declaração de que a polícia tenha autorização para revistar nas ruas aqueles que pareçam "suspeitos", leia-se, com cara de imigrantes malvados.
As propostas de Hillary Clinton para o comércio internacional resumem-se ao repúdio ao Acordo Transpacífico (TPP) firmado com 11 países, inclusive dois latino-americanos – o Chile e o Peru. Segundo outro estudo preparado pelo PIIE, o TPP poderia trazer até US$ 130 bilhões por ano para a economia americana após entrar em vigor. Portanto, tomando o repúdio de Clinton ao pé da letra, os EUA estariam abrindo mão dessa quantidade de recursos. O restante de suas propostas não chegam a alterar o que hoje já existe: há uma maior preocupação em caçar manipuladores de moeda, isto é, em punir aqueles países que desvalorizam excessivamente para abocanhar vantagens competitivas – a China é o país que todos têm em mente quando esse assunto vem à tona – além de reforçar as instituições que monitoram o cumprimento de acordos comerciais para evitar abusos por parte de parceiros. Ou seja, com Clinton há uma clara inclinação protecionista, mas nada que altere significativamente o que já existe em matéria de discurso e de arcabouço institucional.
Trump é diferente. Trump quer solapar tarifa de 35% nos produtos mexicanos, de 45% nos produtos chineses. Trump quer reaver todos os acordos comerciais dos EUA e, ao contrário do que muitos imaginam, tem poderes para fazê-lo unilateralmente. A legislação atual permite que o presidente da República rasgue acordos como o Nafta, com o México e o Canadá, ou o Korus, com a Coreia do Sul, sem precisar de aprovação do Congresso americano. Trump também poderia, como já ameaçou, retirar os EUA da Organização Mundial do Comércio (OMC) caso suas tarifas sobre o México e a China acionem mecanismos punitivos da OMC. Há quem diga que as ameaças de Trump são mera retórica, que ele nada disso fará. Quem acredita nisso o faz sob risco grande de errar. Afinal, aqui nos EUA, tal tipo de "estelionato eleitoral" não costuma ser aceito. Além do mais, o modo como Trump se amarrou a essas declarações não permite acreditar que ele não siga algo muito parecido com o que tem dito.
As políticas comerciais de Trump, portanto, ao contrário das de Clinton, significariam mudança completa do regime em vigor. Tais mudanças poderiam levar a uma guerra comercial com o México, a China e outros parceiros, caso decidam retaliar – o que, por certo, fariam.
O estudo do PIIE traça três cenários de guerra comercial: no primeiro, a retaliação da China e do México é simétrica à imposição de tarifas de Trump; no segundo, a retaliação é mais suave, mas ainda é o suficiente para gerar grandes estragos; no terceiro, a retaliação é abortada por algum motivo – por exemplo, se o Congresso americano forçar o possível presidente Trump a retroceder.
Em qualquer dos casos, o resultado mais interessante do estudo é que os efeitos da guerra comercial, seja de que modo for, impactariam não apenas as exportações, como também setores que não são diretamente ligados ao comércio na visão do cidadão comum. Na verdade, as maiores perdas de empregos provavelmente seriam observadas no varejo, nos setores de serviços em geral (restaurantes, saúde), bem como nas redes de distribuição do comércio doméstico. Dito de outra forma, o choque negativo de uma guerra comercial poderia levar ao fechamento de uma fábrica que atende ao mercado interno – a queda resultante do emprego teria efeito em cascata que deprimiria a demanda por bens e serviços de todo tipo, inclusive daqueles que não têm relação direta com o comércio externo. Tais consequências provavelmente se alastrariam para outros países.
A mensagem, portanto, é clara. Trump e seu arsenal seriam perigosíssimos para o comércio global.
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