Organismos de direitos humanos da Argentina estão criticando o presidente Mauricio Macri por uma questão que pode ser muito mais que semântica. Macri definiu os crimes da ditadura (1976-1983) como "guerra suja", conceito que implica a existência de dois lados, a rigor rejeitado pela Justiça que condenou mais de 600 repressores por crimes contra a humanidade.
– Se Macri acha que vamos esquecer, está muito, muito enganado. Isso não foi guerra suja nem limpa, foi terrorismo de Estado (durante a ditadura militar entre 1976-83) – disse a titular de Avós da Praça de Maio, Estela de Carlotto.
O conceito de "guerra suja" foi empregado nos Estados Unidos na década de 1970 e se refere ao enfrentamento de dois lados: um formado por militares violadores de direitos humanos, e outro por organizações armadas de esquerda.
A Justiça argentina negou a existência de uma "guerra" e confirmou que houve crimes contra a humanidade em um plano de "terrorismo de Estado", que implicou sequestros, torturas, desaparecimentos, assassinatos de opositores políticos e roubos de bebês nascidos durante a prisão de suas mães. Sob este argumento, já foram condenados mais de 600 militares, policiais e civis, e outros processos ainda estão em andamento.
Macri também provocou indignação entre ativistas de direitos ao demonstrar desconhecer o número exato de mortos e desaparecidos durante a ditadura, estimado em 30 mil pelos organismos humanitários.
– Não tinha ideia. É um debate em que não vou entrar, se são 9 mil ou 30 mil, se são os que estão anotados em um muro ou muito mais. Me parece que essa discussão não faz sentido – disse Macri ao ser consultado sobre o tema.
O prêmio Nobel da Paz 1980, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, também criticou as declarações de Macri.
– Não houve guerra suja, mas uma repressão brutal imposta pela Doutrina de Segurança Nacional surgida em Washington durante a Guerra Fria – disse Esquivel, para depois ser mordaz: – Recomendo ao presidente que faça um curso sobre direitos e dignidade humanos.
Após as reações causadas pelas declarações do presidente, seu secretário de Direitos Humanos, Claudio Avruj, afirmou em comunicado que "a 'guerra suja' deve ser entendida pela maior responsabilidade Estado pelos crimes cometidos".
"A democracia que soubemos conquistar nos exige fortalecê-la, aprendendo com o passado e olhando para o nosso presente, para dar respostas firmes às demandas sociais", disse.
Avruj esclareceu que o governo repudia e condena "o terrorismo de Estado empregado e seus perpetradores. 30 mil é a cifra que marcou o caminho da luta da sociedade argentina por essa memória, verdade e justiça. Mas cada vida que perdida é insubstituível e a dor é enorme", afirmou, explicando que o presidente argentino, ao não entrar no mérito quanto ao número de mortos, enfatizou o extermínio, seja qual for a quantidade de vidas perdidas.