Você não precisa pegar um avião, nem mesmo fazer uma mala, para conhecer culturas diferentes. Basta deslocar-se para outra casa, de amigos, colegas de escola ou trabalho, de parentes da família estendida ou vizinhos. Na minha infância, fui visitante contumaz de casas alheias. Ficava impressionada pelas diferenças culinárias, olfativas, arquitetônicas, pela linguagem e hábitos próprios daquela gente que não era a minha. Aprendi que entra-se numa casa alheia com o mesmo espírito curioso das viagens. É preciso tentar entender os hábitos dos nativos, estar atento a seus protocolos para não cometer nenhuma gafe e pronto para deixar-se questionar pela diferença. Nessas primeiras experiências, as mais emocionantes porque podia fazê-las sozinha mesmo sendo criança, aprendi alguns macetes, que aqui compartilho com o leitor.
Cada casa tem um cheiro próprio, aliás, antes mesmo das casas, os corredores de cada prédio o tem. É uma síntese, um ranço particular que mistura produtos de limpeza, comida, perfumes dos moradores, bodum dos bichos da casa, dos estofados e das cortinas. Nunca deixe de respirar fundo ao ingressar pela porta, o nariz será seu passaporte carimbado.
Cada família tem uma linguagem peculiar. Você pode nem sempre estar entendendo do que falam, pois aludem a piadas internas, usam palavras de outras línguas misturadas, além de que você não dominará os vocábulos e apelidos oriundos da linguagem infantil. Deixe-se levar pelo ritmo, pela música da conversa, sem precisar entender tudo.
Capítulo à parte, quando trata-se de famílias clássicas, para a distribuição dos olhares da mãe. À mesa, ela costuma orquestrar rotinas, conversas e silêncios sem sequer movimentar as sobrancelhas. Convém sentar-se num lugar onde você possa lhe ver o rosto e sempre aceitar suas oferendas de alimentos.
A diferença de estilos é facilmente observável nos prédios em que os apartamentos têm a mesma arquitetura. É instigante ver como os moradores os ocupam de modo tão diverso. Preste atenção: embora você seja visita, nem sempre usará a sala, muitas vezes um espaço reservado para "ocasiões especiais", o que não é o caso de sua presença. O mesmo recinto no apartamento ao lado estará cheio de roupas, brinquedos e você não encontrará onde sentar, mesmo que tenham sugerido que o faça. Algumas casas têm ambientes que congregam o lazer e as refeições dos seus moradores, enquanto em outras os espaços comuns são utilizados como um corredor onde as pessoas encontram-se nas andanças entre a cozinha e o quarto. Nesse caso, procure ficar nos aposentos da pessoa que lhe for mais próxima.
A posição da televisão é decisiva, ela pode reinar absoluta ou estar ali onipresente e ignorada como músico de churrascaria. Os sofás podem ser dispostos como auditório, plateia permanente da pantalha que decidirá as conversas. Nesse caso, os moradores da casa não conversam entre si, apenas apartam a fala da TV. Há casas onde ela não conta, mas são tão raras como aquelas que não passam de uma grande biblioteca onde até se dorme e come.
Os retratos são um ponto alto. Antigamente, só as casas de famílias e, principalmente de vovós, os tinham em excesso. Hoje não, qualquer um fará com eles seus arranjos. Os mais tradicionais recorrerão às imagens fabricadas em estúdios, adolescentes fazendo poses, casais de gala, gestações com pérolas e plumas, formaturas. Mas também há os que ousam fotos mais artísticas, em geral tiradas em viagens. Os antepassados são lindos de se ver, matronas carrancudas, patriarcas com bigode de limpa trilho, crianças constrangidas. Os moradores terão prazer em percorrer a galeria com o visitante detalhando cada imagem, não se constranja em perguntar, é um belo modo de conhecer-lhes a história e os gostos.
Essas são algumas dicas, entre tantas outras, que poderiam ser ensinadas por qualquer pequeno turista doméstico acostumado a visitar outras casas e lhes decifrar a cultura. Tem muito adulto, habituado aos aviões, que poderia aprender com eles a respeitar as diferenças culturais das suas redondezas.