É evidente que a imprensa dos vizinhos está preocupada e de olho nos desdobramentos do momento brasileiro. O Brasil é o carro-chefe da região, e o momento é de crise econômica quase que disseminada. A questão é: para onde vai nos levar a locomotiva regional, de quem todos dependem?
Na capa do argentino Clarín, o jornalista Marcelo Cantelmi, depois de discorrer sobre os efeitos da economia na política e da política na economia, com a crise nas commodities, o crescimento baixo, o desgaste dos governos, a falta de apoio parlamentar decorrente disso, a fragilização institucional e as perdas econômicas que tal contexto provoca, faz a seguinte análise:
"(O eventual impeachment) será a porta para um mundo imprevisível que se ligará com um conjunto de elementos complexos . Um deles é a crise social que enfrentará um governo interino enfraquecido já no nascedouro quando se exigem medidas fortes para equilibrar as contas públicas. Outro elemento, não menos importante, é a galvanização do PT, liderado por Lula da Silva, que se vitimizará para reunir sua tropa, dispersa e golpeada pelas denúncias de corrupção, agora tendo como suporte o que denunciam como um ato golpista".
Continua Cantelmi:
"A própria Dilma Rousseff havia começado um ajuste ortodoxo duro, ainda em curso e incentivado pelo próprio Lula, para reduzir os gastos públicos. O quadro geral é uma inflação de entre 10,5% e 9,5 % de desemprego e quase 1,5 milhão de demitidos no ano passado, com uma queda acentuada do poder de compra dos salários. Agora, essas consequências serão denunciados pelo mesmo partido como responsabilidade do vice-presidente Michel Temer, considerado um traidor pela presidente e que deve tomar o poder interinamente."
- O articulista do Clarín termina o raciocínio dizendo que o impeachment de Collor, em 1992, foi diferente, porque o PRN, partido do então presidente, era frágil e se dispersou. O que ocorrerá, na opinião de Cantelmi?
"O Brasil (atual), no entanto, parece construir uma armadilha perturbadora. A instabilidade política irá produzir os reação dos aliados de Dilma Rousseff, e os pobres do norte do país, que veem Lula um salvador, dificilmente permitirão um alívio no estresse econômico. Sem um crime específico, ao contrário do caso de Collor, o processo contra Rousseff equivale a uma retirada da confiança do Legislativo em um sistema parlamentarista. Mas, no presidencialismo, isso mostra enormes debilidades institucionais e legais."
Então, Cantelmi passa a falar sobre o próprio Temer, Eduardo Cunha e outras figuras deste triste momento vivido pela institucionalidade brasileira:
"Há, ainda, outras fragilidades. O impeachment é impulsionado por legisladores como o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, correligionário de Temer no PMDB, um sócio do governo que rompeu recentemente com o PT, envolto em graves processos de corrupção. Os dirigentes dessa força somente ocultam a esperança de que o afastamento da presidente tire de cena as denúncias que os envolvem. É, então, também uma ofensiva de preservação. Faz pouco, Temer afirmou, em um polêmico documento proselitista, que se dispõe a construir um governo de salvação nacional. Foi o jornalista Elio Gaspari quem mais rapidamente reagiu à mensagem. Na Folha de S. Paulo, perguntou, com uma amarga picardia: "'salvação de quem?'"
Cantelmi é editor de politica internacional do Clarín e professor na Universidade de Palermo. Traduziu, com seu raciocínio sombrio, um pouco da apreensão vivida em seu país pela situação vivida no tradicional e eterno parceiro.
Assumidamente oposicionista na Argentina, o jornal Página 12, como era de se esperar, pôs o título "Brasil, à margem do abismo" e relatou: "Houve discursos tensos que destacam a divisão do país". Depois, lembrou que pesquisas mostram a aprovação do impeachment e que Lula e Dilma "não vão se render".
E por aí vão as reações externas. Veja, a seguir, uma rápida passagem por elas:
O La Hora, da Bolívia, titulou: "Defesa de Rousseff denuncia 'golpe' e pede que anulem impeachment". Cita o discurso do advogado-geral da União, que denunciou uma tentativa de golpe de Estado. O El Mercúrio, do Chile, diz em título de meia página editorial: "Encurralado, governo de Rousseff recorre a medidas desesperadas para frear o impeachment". No Uruguai,o El País traz diversos textos sobre o assunto.Dá destaque para o início das sessões do julgamento político de Dilma. No texto, fala das tentativas frustradas do governo de recorrer à Justiça e das grandes manifestações previstas para o domingo e destaca, também, a visita de apoio que o Secretário Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA), o uruguaio Luis Almagro, que prestou apoio a Dilma por não ver fundamentos para um impeachment. O El Nacional, da Venezuela, enfatiza o fato de Dilma ter dito, na semana passada que, em caso de derrota, será "carta fora do baralho". Já o "Últimas Notícias"assinala que milhares de brasileiros bloquearam ruas e estradas para manifestar sua reprovação ao processo de impeachment. O ABC Color, do Paraguai, comenta a abertura do processo de impeachment e diz que a democracia brasileira está próxima de viver um dos capítulos mais dramáticos de sua curta história. Na Colômbia, o El Espectador enfatiza a derrota, no Supremo Tribunal Federal, do recurso contra o processo apresentado pela defesa de Dilma, fala das contas que estão sendo feitas e dos encontros mantidos por Lula de um lado, e do vice-presidente Michel Temer do outro, entando angariar votos.
Agora, para relaxar um pouco, ouça "Cuando pase em temblor", música da banda argentina Soda Stereo, com o saudoso vocalista Gustavo Cerati:
"Despiértame cuando pase el temblor"