Todos os totalitarismos se estabeleceram mediante o sedutor discurso de um político manipulador. Invariavelmente, esse discurso descreve o paraíso situado pouco além do inferno necessário para atingi-lo. É um delírio que se renova ciclicamente, malgrado, na invencível travessia, a história se esgote, as covas rasas se entulhem e só as desgraças prosperem. Mesmo assim, é muito significativa, estatisticamente falando, a parcela da população que vive como seu o sonho de qualquer demagogo.
Lembrei aqui, outro dia, a coleta de lixo ideológico que o Foro de São Paulo importou para a América Ibérica, numa iniciativa de Fidel Castro e Lula, meses após a queda do muro de Berlim. O organismo cresceu gradual e furtivamente. A condição sorrateira contou com o olho fechado da mídia, conforme sempre denunciou Olavo de Carvalho, acusado de formular teorias da conspiração quando tratava do assunto. No entanto, o próprio Lula reconheceu tal condição na abertura do 12º encontro da organização. Em seu discurso, ele enfatizou a importância da "relação construída no Foro de São Paulo para que pudéssemos conversar sem que parecesse e sem que as pessoas entendessem qualquer interferência política". Ao longo da travessia, nós, brasileiros, juntamente com paraguaios, venezuelanos, argentinos e outros descobrimos o que cubanos já sabiam há três gerações: as desgraças prosperaram!
Em tempos de aceleração das partículas políticas, os cenários são cambiantes. No momento em que escrevo, os fatos parecem sugerir que o ciclo ideológico do FSP no governo brasileiro se encaminha para o final. Torna-se oportuno, então, olhar por sobre o muro da ideologia sinistra com que foi contido o desenvolvimento nacional. Há vida, e vida inteligente, lá fora. A ideologia hoje em vigor no Brasil afeta de modo negativo condições essenciais ao desenvolvimento humano e à vida social. Recentemente, após uma crítica que fiz à pedagogia de Paulo Freire por sua ênfase à "formação de agentes de transformação" e seu descaso à formação de recursos humanos para a vida produtiva, um professor contestou: "Ah! O senhor quer que a escola prepare mão de obra?". Respondi: "Não, meu caro, eu desejo que a escola prepare mestres em pebolim, acadêmicos para o Salgueiro, e líderes de torcida. E, claro, transformadores da sociedade". Dai-me forças para viver!
Andam por aí, operando, uma Educação e uma Pedagogia que, em grande parte, ridicularizam a atividade produtiva. Educadores jogam o futuro de milhões de jovens numa aposta pessoal sobre o suposto paraíso que existiria logo ali, depois do inferno do desemprego, das frustrações e - pior de tudo - do imperdoável desperdício de talentos e potencialidades abortados no ventre do sistema. Pelas mãos dos apostadores! Por que não jogam apenas com as próprias vidas? Nessa Educação, contribuir para que os jovens, um dia, possam ganhar seu sustento mediante conhecimento e trabalho é visto como proposta coxinha, burguesa, reacionária e, muito provavelmente, golpista. O infortúnio chega, então, em cascata: escasso aprendizado, baixa produtividade, remuneração insuficiente, consumo diminuto, mercado interno subnutrido, competitividade da economia comprometida no mercado mundial. E a insatisfação abrindo caminho para os arquétipos políticos descritos no primeiro parágrafo desta crônica. Só haverá efetivo desenvolvimento humano quando as pessoas puderem cuidar bem de si mesmas.
Atrás dos muros ideológicos que nos contiveram, o crime se converteu na atividade mais rentável do país. O Comando Vermelho e o PCC seriam as blue ships do mercado se colocassem ações na Bovespa. O crime, organizado ou não, atua com baixíssimo risco, alta lucratividade e controle absoluto sobre o comportamento de seu próprio mercado. Por quê? Porque a ideologia que comanda as escolhas políticas e administrativas tem o criminoso como agente da transformação desejada, mutuário de uma cooperativa de expropriação revolucionária, encarregado do serviço sujo da revolução. Serve para promover a derrota da burguesia e aterrorizar a odiosa (e devidamente desarmada) classe média. Não é mesmo, dona Marilena Chauí?
Leia outras colunas em
zhora.co/PercivalPuggina