A viagem de Barack Obama a Havana provocou muito júbilo, sentimentos de esperança, encantamento em relação ao poder do diálogo e, também, alguma preocupação do governo cubano. Qual a preocupação, ora, se o embargo vai definhando e a concórdia se impõe? Pense bem: o regime cubano tem compromisso histórico e moral com uma revolução socialista que triunfou no primeiro dia de janeiro de 1959. Você, que é crítico implacável ao castrismo, precisa ter um contexto histórico. A Cuba de Fulgencio Batista era um cassino americano, subserviente e afeito ao crime, com pobreza disseminada. A turma de barbudos liderada por Fidel, Che, Raúl e Cienfuegos pecou muito, é certo. Matou adversários, prendeu, impôs uma ditadura de partido único e outras faltas gravíssimas. São defeitos terríveis e condenáveis, de que todos sabemos. Mas teve lá seus méritos, que pretende ver lembrados: levou educação e saúde e melhorou condições de vida de uma população humilhada.
Buenas, feita essa observação e a ressalva, vamos então entender o que passa pela cabeça de Raúl e Fidel, os sobreviventes dessa revolução e desse governo muito pouco afeito aos princípios da democracia representativa. Eles viram um Obama sorridente encantar seu país, e agora tratam de dizer "menos" para os seus, enfatizando que "também não é bem assim..." É perfeitamente compreensível que queiram pôr freios no intenso avanço americano.
O Sétimo Congresso do governante e hegemônico Partido Comunista de Cuba (PCC) analisará em abril a continuidade da política de atualização do modelo econômico, descartando grandes mudanças, afirmou a organização. Ora, gente, é uma forma de autopreservação em relação a algo que é inevitável: Cuba precisa se abrir. Perdeu a União Soviética, perdeu o petróleo venezuelano, está isolada. Sabe que só pode ser ilha na topografia. Qualquer declaração contrária a isso é simplesmente uma forma de preservar sua história e suas conquistas.
"O que buscamos é terminar o que foi iniciado, continuar com a execução da vontade popular expressada há cinco anos", disse o jornal Granma, órgão do PCC, explicando as medidas tomadas até aqui.
O Granma respondeu assim a cartas de cubanos que criticavam a ausência de uma consulta popular sobre as principais teses previstas para a reunião, como foi feito antes do Sexto Congresso.
"Chegaram à redação do jornal, por diversas vias, inquietações de militantes do Partido (e também de não militantes) que perguntam por que nesta ocasião não foi previsto um processo de discussão similar ao realizado há cinco anos", afirma. O Sexto Congresso aprovou 300 reformas propostas por seu primeiro secretário, o presidente Raúl Castro, para atualizar um esgotado modelo econômico de cunho soviético em busca de "um socialismo próspero e sustentável".
"O balanço das realizações no quinquênio mostra que 21% das orientações já foram implementadas, enquanto 77% estão neste processo. Os 2% restantes (cinco orientações) não foram executados por diversas causas", indicou o jornal.
Conforme o Granma, nas estruturas do PCC são analisados seis documentos visando ao Congresso - agendado para 16 a 19 de abril - que traçam o caminho do país em relação aos próximos anos, incluindo o período em que a geração histórica liderada por Fidel e Raúl Castro não estiver mais no cenário político.
FIDEL
Outro sinal de desconforto: em seu primeiro pronunciamento desde a viagem de Obama a Cuba, Fidel criticou as palavras de conciliação e a visita do americano. Disse, em artigo publicado na segunda-feirapelo mesmo "Granma", que Obama "lançou mão das palavras mais adocicadas" para dizer que os países devem esquecer o passado de agressões e, agora, olhar juntos para o futuro. "Presume-se que cada um de nós corria o perigo de sofrer um infarto após ouvir essas palavras do presidente dos EUA", continua Fidel.
"Após um bloqueio sem piedade que já durou quase 60 anos, e aqueles que morreram nos ataques mercenários a navios e portos cubanos, um avião regular cheio de passageiros feito explodir em pleno voo, invasões mercenárias, múltiplos atos de violência e de força?", questiona o líder socialista.
O ex-presidente afirmou que a população cubana não precisa que "o império não nos dê nada de presente". "Somos capazes de produzir os alimentos e as riquezas espirituais de que precisamos com o esforço e a inteligência de nosso povo. Não precisamos que o império nos dê nada de presente."
Fidel defendeu a continuidade dos esforços legais e pacíficos entre as nações, mas ressaltou que ninguém deve alimentar "a ilusão de que o povo deste nobre e abnegado país renunciará à glória, aos direitos e à riqueza espiritual que ganhou com o desenvolvimento da educação, da ciência e da cultura".
Obama não se encontrou e nem citou Fidel durante a visita de três dias à ilha. O americano foi acompanhado pelo irmão de Fidel e atual dirigente cubano, Raúl Castro.
Desde a retomada das relações entre os EUA e Cuba, em dezembro de 2014, Fidel reconhece algumas medidas da aproximação, mas é cético em relação aos passos tomados por Washington.
No entanto, não parece impedir a ação do irmão, a quem entregou o poder em 2008, de abrir a relação com o governo americano e fazer reformas econômicas.
Fidel sabe: precisa manter certa compostura.
Mas Cuba precisa, sim, abrir-se ao mundo.
É uma questão de sobrevivência.
O alento, do qual ele também sabe, é o seguinte: a revolução teve seus méritos, e eles são perenes. A Cuba de Fulgencio é página virada, mas, para isso, não se necessita de um regime fechado.