Começo plagiando Erico Verissimo: “Eu moro numa cidade que tem uma Feira do Livro”. E convido os leitores para uma primeira visita — imaginária por enquanto — à Praça da Alfândega, onde a cidade das letras está sendo reconstruída pela 70ª vez para abrigar autores de todos os tempos e para receber visitantes que acreditam na magia da leitura.
Ouçamos, portanto, com os ouvidos da imaginação, as vozes de seus inquilinos habituais, a começar pelos dois moradores permanentes, os poetas eternizados em bronze: “Os livros não mudam o mundo. Quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas” — recita da eternidade o nosso Mario Quintana. Ao que seu interlocutor de sempre, o mineiro Carlos Drummond de Andrade, responde com ironia: “Há livros escritos para evitar espaços vazios nas estantes”.
O sarcasmo é recebido com risinhos abafados nas barracas em construção, todas já ocupadas pelos espíritos de escritores célebres que aguardam pacientemente a chegada de suas versões encadernadas. “A única exigência que faço aos meus leitores é que devem dedicar as suas vidas à leitura das minhas obras”, provoca James Joyce.
O argentino Jorge Luis Borges devolve sensatez à conversa: “Os meus livros, que não sabem que existo, são uma parte de mim”. Mas é interrompido por seu quase xará George Orwell, na barraca vizinha: “Os melhores livros são os que dizem o que já se sabe”.
Autoridade reconhecida no assunto, mas com exemplos um tanto questionáveis para os tempos atuais, o padre Antônio Vieira resolve mudar o rumo da prosa: “O livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que guia, um morto que vive” — sentencia. Agnóstico, o português José Saramago pega o final da frase do religioso e acrescenta: “Escrevemos porque não queremos morrer. É esta a razão do ato de escrever”.
Motivo para escrever: mexe com o ego dos demais. “Eu escrevo para salvar a alma” — retruca de pronto seu conterrâneo Fernando Pessoa. Mais realista, o colombiano Gabriel García Márquez acrescenta: “E eu escrevo para que meus amigos me amem mais”. É a deixa para seu ex-amigo, o peruano Mario Vargas Llosa, retrucar: “Escrevo porque não sou feliz. É uma maneira de lutar contra a infelicidade”.
Felizes ou infelizes, vivos ou mortos, geniais ou geniosos, os escritores e seus escritos maravilhosos esperam por nós na Feira do Livro de Porto Alegre, a partir do próximo dia 1°.