Vem aí uma Feira do Livro virtual, sem barracas na Praça da Alfândega, sem autógrafos de escritores e sem aglomeração de leitores em torno das caixas de saldos. A Câmara Rio-Grandense do Livro e os expositores estão preparando um evento totalmente digital, com lives de autores, debates por videoconferências e vendas pela internet, como impõe o chamado novo normal — apelido já consagrado para esta anormalidade em que todos fomos lançados pelo vírus invisível.
Como leitor obstinado de impressos e frequentador habitual da nossa maior exposição literária, já começo a sentir aquela dor infinita do Quintana só de imaginar a praça deserta na última sexta-feira de outubro, data tradicional de abertura do evento. Nem o mais criativo (e pessimista) dos ficcionistas poderia imaginar uma situação assim depois de seis décadas ininterruptas de celebração intelectual e culto às letras protagonizados por personagens de carne, osso e óculos de leitura.
Estou curioso para ver o que nos reserva a tecnologia. Porém, por mais fantásticas que sejam as possibilidades da inteligência artificial e da realidade aumentada, suspeito que dificilmente os recursos virtuais compensarão a perda de certos prazeres da presença física.
Este escriba, por exemplo, adora caminhar pelos corredores pintados de pétalas, sentindo o cheiro dos livros novos e da pipoca doce, ao som das algazarras e fanfarras características dos finais de tardes na feira. Mesmo que um avatar se materialize na porta da minha casa para me entregar o livro desejado, sentirei falta dos abraços na fila de autógrafos, das fotos com os poetas de bronze e daquela visitinha afetuosa aos livreiros amigos para conferir as novidades.
Esta feira virtual — não sei por que — me faz lembrar o realismo fantástico de Erico Verissimo no seu Incidente em Antares. Quem garante que os personagens da ficção, inconformados com o cancelamento presencial, não sairão das páginas no meio da noite para protestar pelos leitores ausentes na praça deserta?