Médico, escritor e membro da Academia Brasileira de Letras, Moacyr Scliar nasceu em Porto Alegre em 1937 e faleceu na mesma cidade em 2011. Autor de romances, ensaios e livros de crônicas, Scliar colaborou com Zero Hora por mais de 30 anos.
Uma vez vi, no Canadá, um filme sobre a história daquele país. Uma cena não mais esqueci.Mostrava os colonizadores franceses desembarcando na costa canadense. A um deles, que falava a língua indígena, um dos nativos perguntou, intrigado,que história era aquela de rabiscar coisas num papel. Qual a utilidade deste costume? O francês então se propôs a demonstrar que escrever servia, sim,para alguma coisa. Apontou um soldado que estava à distância e disse que queria a pistola do homem. Em seguida escreveu num papel: "Manda-me tua pistola", ou coisa que valha, e pediu ao índio que entregasse a mensagem. Para surpresa do nativo, o soldado entregou-lhe a pistola. E assim o membro de uma cultura ágrafa, de uma cultura que não escrevia, descobriu que escrever serve,sim, para alguma coisa: serve para comunicar pessoas entre si. Coisa acerca da qual não temos mais dúvidas.
Mas continuamos descobrindo aspectos benéficos da leitura. Numa entrevista recente, a jornalista perguntou a este notável neurocientista que é o professor da UFRGS Ivan Izquierdo qual a melhor forma de manter o cérebro ativo. Ivan Izquierdo foi taxativo: a leitura. Uma opinião compartilhada por praticamente todos que trabalham na área. Exercitar o cérebro não é a mesma coisa que exercitar os músculos; estes nós podemos ver trabalhando e se desenvolvendo. O cérebro está lá dentro do nosso crânio, e é ativado de outras maneiras, entre as quais a leitura tem papel de destaque. O que recomendamos especialistas? Aquilo que o bom senso nos recomendaria. Em primeiro lugar, que a gente leia coisa interessante (convenhamos, por que leríamos coisas que não são interessantes?). Uma outra recomendação: participar num grupo de discussão de livros – já existem vários por aí. E, finalmente, escrever.Ninguém precisa obrigatoriamente fazer uma carreira de escritor, mas escrever um diário, ou as próprias memórias, ou manter contato com outras pessoas através de e-mails ou cartas (sim, ainda existe quem escreva cartas) é um ótimo estímulo para as nossas células cerebrais.
Tudo isto a propósito, claro, da Feira do Livro. Onde tudo que é prazer e emoção em matéria de leitura está reunido à espera de vocês. E a escolha é de cada um: ir à farmácia e comprar alguma duvidosa substância para "fortificar o cérebro" ou escolher um bom livro. Como escritor e como médico, recomendo esta última opção. É mais eficiente, mais barata, dá mais prazer e, a menos que a pilha de livros na mesa de cabeceira caia em cima de vocês, não tem efeitos colaterais.
Confira a seleção de crônicas publicadas por Scliar em Zero Hora:
- 26/03/2000: "Quem és tu, porto-alegrense?"
- 14/09/1997: "Sobre centauros"
- 04/11/1995: "Literatura e medicina, 12 obras inesquecíveis"
- 25/09/1995: "É o ano da paz?"
- 09/01/2000: "As sete catástrofes que nunca existiram"
- 14/11/1999: "Os livros de cabeceira"
- 22/02/2003: "Um anêmico famoso"
- 16/03/1996: "Os dilemas do povo do livro"
- 23/01/2000: "Um intérprete, por favor"
- 22/02/2003: "O que a literatura tem a dizer sobre a guerra"
- 31/05/2003: "Literatura como tratamento"
- 19/10/1996: "A língua do país chamado memória"
- 06/02/2000: "A tribo dos insones"
-15/06/2003: "Um dia, um livro"
- 27/09/2008: "A doença de Machado de Assis"
-20/08/1997: "Médicos e monstros"
- 20/02/2000:"A invenção da praia"
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