Imagine que Messi alcançou Maradona fazendo o gol ou a assistência de um suposto 1 a 0 sobre a França. O gol do tri argentino, mas especialmente o Olimpo definitivo de Lionel Messi. O obelisco em Buenos Aires ocupado por milhões de pessoas, uma nação em eterna crise econômica entrando naquela trégua que só o futebol proporciona. E Messi, entre lágrimas e abraços, jogado ao alto pelos braços dos seus emocionados companheiros. Quer história mais bonita do que essa para fechar uma Copa?
Agora pense na história contada sob o ritmo da Marselhesa. A França repetindo o Brasil de 1958 e 1962 ao se sagrar campeã em 2018 e 2022. A batuta seria de Mbapeé pelo talento ou de Griezmann pela sabedoria. Mas a França chegaria campeã com aquela banca de quem não deixou dúvida na Copa inteira quanto à sua superioridade como time.
Se campeã a Argentina, o jovem Scaloni afirmaria uma ideia de futebol simples e bem praticada com excelência em gestão de grupo. Reformou o time em meio à competição, amadureceu rapidamente e mudou de prateleira no mercado internacional. Se campeã a França, Deschamps alcançaria a mais absoluta consagração. Campeão como jogador e outras duas como treinador, quem haveria de questionar Didier Deschamps?
O treinador francês será indiscutível como poucos na história das Copas. Terá superado a perda de Kanté e Pogba, terá encontrado em Rabiot e Tchouaméni substitutos tão bons ou melhores. Será a ele atribuído o devolver da confiança a Giroud, que fez gols essenciais na campanha.
Quer histórias de protagonistas? São as melhores. Ou Messi sobe ao panteão de Maradona no seu último tango e nunca mais será discutido na Argentina e no mundo ou Mbapeé se afirma de forma fulminante como campeão de duas Copas consecutivas recém-chegado aos 23 anos de idade.
Se descer aos detalhes do herói inesperado, haverá um Álvarez, que nem se firmou ainda no Manchester City e já virou goleador na seleção do seu país. Ou um Dembélé, que oscila no Barcelona e na França é o principal driblador-velocista logo abaixo de Mbapeé. Imagine um gol de cabeça redentor de Otamendi, que saiu do City em baixa para o Benfica e mais bate do que joga. Ou de Varane, que saiu do Real Madrid deixando pouca ou nenhuma saudade.
Pense no Lusail transformado em Bombonera. Ou na Marselhesa em uníssono no solo catari. Há lindas histórias por onde se ponha o olhar. Esta Copa não contou novidades táticas, elas parecem impossíveis à esta altura. O que se vê com clareza é a máxima conexão entre desempenho e eficácia. Criar montanhas de chances de gol e desperdiçá-las não vira álibi para time nenhum. Antes, será encarado como desequilíbrio e incompetência. Já a equipe que converter tudo ou quase tudo que crie será considerada, com justiça, madura e apta ao título.
Neste quesito, a França chega insuperável à decisão. Desde o início, nenhum time pareceu tão pronto. Por isso, entra favorita neste domingo (18). A Argentina aprendeu com a dor, modificou-se para sobreviver e vicejar. Messi foi se identificando com sua gente à medida em que virou de fato o condutor técnico e moral de sua equipe.
Na verdade, nenhuma das possíveis histórias desta final será tão espetacular quanto o fechar das cortinas de Messi em azul e branco com a taça nas mãos e a mais radiante alegria no rosto. O inverso do drama. A apoteose.