Escrevo esta coluna de modo antecipado. Planejei esperar a estreia dinamarquesa contra Túnisia, o primeiro jogo de Lewandowski com sua Polônia contra o México e o começo da atual campeã França contra a desafiante Austrália. Mas abandonei o projeto original diante do maior acontecimento da Copa no deserto até agora. Mirei a figura de Hervé Renard.
Aos 54 anos, pinta de galã, ex-jogador de poucas luzes, o trenador da Arábia Saudita chamava atenção à beira do campo. Camisa branca, calça social, sapato mocassim. Gel fixando os cabelos para trás, Renard comemorava secretamente cada impedimento infligido à Argentina. Claramente, havia um método de defesa naquele gesto repetido à perfeição pelos seus zagueiros desde o primeiro minuto. Dois gols da Argentina foram anulados por impedimento. A favorita abriu cedo o placar com Messi e depois caiu na mais sublime preguiça. Ainda assim, os sinais do jogo eram de uma vitória Argentina. O tamanho dependeria da fome do time sul-americano.
Do outro lado, a Arábia Saudita suava em bicas e não se desorganizava em momento algum. Chutou duas bolas na direção do gol, ambas entraram. Eram menos de 10 minutos do segundo tempo, a soberba Argentina virou desespero. O goleiro AlOwais se encarregou de completar o roteiro do tango portenho com milagres na hora certa. Messi, em sua última Copa, jogou absolutamente nada, mas não foi só isso. Faltou-lhe a têmpera do líder que comanda uma reação na dificuldade. Sumiu com a responsabilidade inevitável que lhe caiu às costas. Pode ser o condutor de uma recuperação que leve a Argentina ao título? Pode. É um fora de série com a bola no pé, soma Bolas de Ouro na carreira, milionário pelo próprio pé numa vitoriosa carreira.
Neste jogo, porém, foi insuficiente no papel de totem a que só os monstros sagrados têm acesso. Ainda deve isso a si próprio e à sua seleção. Dívida que impede qualquer comparação ainda com o maior jogador argentino de todos os tempos, Diego Armando Maradona. Até o jogo contra o México, será vilipendiado com o habitual exagero argentino elos compatriotas. Terá que responder na dimensão exigida. Preço a pagar por quem passou boa parte da vida profissional sendo considerado o melhor do mundo. No quinto jogo da Copa no Catar, o futebol deu mais uma prova de que é indomável. Por isso, apaixonante. Portanto, imprevisível.