O jornalista Rafael Vigna colabora com a colunista Marta Sfredo, titular deste espaço.
Empresa reconhecida no Top 5 anual do Banco Central com o primeiro lugar em análise de câmbio e o terceiro em inflação, a CM Capital repete a precisão das avaliações de cenários já premiada em outros anos. Economista-chefe da corretora independente, Carla Argenta, já recebeu a distinção em outros anos e nesta entrevista comenta sobre o atual cenário no país e apresenta argumentos que negam os riscos de pressão inflacionária em razão do aquecimento do mercado de trabalho.
O que se pode esperar para a inflação em curto prazo?
Para 2024 é mais fácil de avaliar. Quando se olha para um espaço mais curto, no ampliado, há uma série de fatores que estão acontecendo, não fazem parte da economia e mudam a direção das variáveis. Em 2024, o primeiro ponto a olhar são os movimentos inerciais, ou seja, aqueles acontecimentos passados que influenciam a inflação futura. Isso representa cerca de 25% da composição do IPCA. Estamos falando também dos preços administrados que na base, em alguma magnitude, têm esse componente inercial. Como houve uma inflação mais baixa no ano passado, do que em 2022, esses reajustes (contratos de aluguel, e outros) acabam jogando para frente uma inflação mais baixa. Aí está o primeiro vetor de arrefecimento inflacionário. O Segundo ponto é que sazonalmente, no meio do ano, o grupo dos alimentos que são itens com peso inflacionário elevado tendem a apresentar movimentos positivos. Outro ponto é que o El Niño tinha expectativa de impacto mais nocivos sobre as safras e acabou não se confirmando. Mais um vetor positivo.
E pelo lado da demanda?
Sobram outros dois grupos que têm um peso maior sobre o mercado. Um é o de produtos industriais que se caracterizam por itens mais caros (desde automóveis, eletrônicos, linha branca e vestuário). Por vezes são itens que as pessoas costumam se endividar para consumir e ficam sujeitas a algo chamado taxa de juros. Quando a pessoa assume uma dívida, há dois movimentos associados. No primeiro, o Banco Central vem reduzindo a taxa Selic. Mesmo assim, os bancos comerciais ainda não repassaram isso para a pessoa física. Os dados de concessão de crédito são negativos. Essa taxa não chegou ao consumo e as pessoas continuam em uma dinâmica de juros que é absolutamente inibidora. Isso continua reverberando em 2024. Com essa conjuntura de não repasse da queda de juros, continua a tendência e não se constitui em vetor de pressão inflacionária.
E os serviços?
O outro ponto é os serviços. Estamos falando de quase 35% da composição da inflação que é afetado por dois movimentos: o da inércia que já falamos (caso da aluguel em que se está sujeito aos reajustes de contratos e não há muito o que fazer) e como a inflação cai está exposto a níveis menores de reajustes. Sobra o quarto item e aí entra o mercado de trabalho. Falamos em ociosidade, porque quando não se tem capacidade ociosa sobre esses itens não se consegue aumentar a oferta. Se a demanda cresce, quando as famílias têm mais condições de consumo, o ajuste ocorre via preços no mercado e é isso que gera inflação.
Há esse risco como está explícito na ata do último Copom?
A característica é que esses itens têm apresentado uma inflação positiva. Passamos por dois anos e meio, que se encerrou em 2023, com a retomada dos serviços que deixaram de ser consumido por conta da pandemia. Com a normalização das pessoas consumindo cinema, eventos, espetáculos, houve a abertura do consumo desses itens muito elevada, mas não suprida pela oferta, uma vez que muitos estabelecimentos fecharam. Esse movimento aqueceu a hotelaria, passagens aéreas por esse efeito. Agora a tendência é de normalização. A demanda está relativamente estável e a oferta foi crescendo ao longo dos últimos anos. Não é por acaso que o setor de serviços foi o que mais cresceu e o patamar se aproxima de uma equalização.
O mercado de trabalho serve de alerta?
O mercado de trabalho surpreendeu de maneira geral a todos os economistas no último ano. Houve uma queda da taxa de desemprego muito significativa, voltamos aos patamares não vistos há quase uma década. Isso colocou uma pulga atrás da orelha do mercado. Só que é preciso avaliar outros aspectos. Essa resiliência do mercado de trabalho não é propulsora de uma inflação mais elevada, porque os salários nominais crescem, mas cada vez mais com taxas menores. Tanto é que o reajuste do salário mínimo para 2024 foi menor do que o concedido no ano anterior. Além disso, a velocidade da queda na taxa de desemprego vem reduzindo até porque ela está hoje muito próxima de atingir o pleno emprego. Ou seja, já há uma situação mais estável. Significa que a condição de demanda das pessoas é igualmente mais estável e sem movimentos adicionais de fomento ao consumo também não se corre risco ajuste via preços que traria o efeito inflacionário.
Por que há quem veja risco?
É que nos esquecemos de algo muito importante. Ainda temos uma taxa de desocupação próxima de 8%. Não se trata de uma taxa que gera inflação elevada. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, onde o Banco Central (FED) além da meta de inflação precisa perseguir uma meta de desemprego, a de inflação é 2% ao ano e a de desemprego é 4% ao ano. Perceba que aqui temos uma meta de inflação de 3% e a nossa taxa de desocupação é 8% (no Brasil não há meta de desemprego). É muito maior do que a meta norte-americana e por aqui se fala em excesso de demanda por conta do mercado de trabalho. Isso não é uma verdade. Basta olhar como a meta de inflação e de desemprego é o dobro. A nossa meta é um ponto percentual menor e o desemprego muito maior. Isso deve ser frisado porque o nosso histórico é de uma taxa de desemprego muito alta, por isso, acabamos por perder essa referência e começamos a achar que o mercado de trabalho pode se tornar um propulsor dessa eventual inflação mais elevada na conjuntura atual o que não é verdade outra vez. São pontos importantes e que justificam a nossa estimativa de 3,4% para este ano. É mais baixa do que a maior parte do mercado estima (3,7%).