Para livrar o país da praga do juro anual de 425,61% na pesquisa mais recente da Associação Nacional dos Executivos de Finanças (Anefac), governo, bancos, lojas e Congresso discutem o fim do rotativo do cartão de crédito. Mas o parcelamento, ainda que limitado, fica.
É preciso ter atenção porque a polarização contaminou o tema, com ataques da oposição e confusão deliberada de governistas. As absurdas taxas do rotativo são aplicadas quando o usuário do cartão não paga o total da fatura do mês, não quando faz compra em parcelas planejadas na origem. Por isso, a extinção afetaria a primeira modalidade, não a segunda.
A tendência é eliminar a possibilidade de pagar o valor mínimo da fatura e rolar o restante da dívida, característica do rotativo, sem acabar com o parcelamento. Até a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), emitiu nota afirmando que "não há qualquer pretensão de se acabar com as compras parceladas no cartão de crédito". O que se debate é reduzir o prazo para menos de 10 parcelas, o que dá mais previsibilidade tanto para quem deve quanto para quem espera receber.
Quando mencionou mudanças no cartão, em depoimento no Senado, o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto, falou em "extinção do rotativo", não em fim do parcelamento. Mencionou, ainda, a possibilidade de encaminhar os devedores da modalidade exorbitante direto para o parcelamento, para assim incidir juro menor - cerca de 9% ante 15%. Afirmou, ainda:
— Não é proibir o parcelamento sem juros, é simplesmente tentar fazer com que eles fiquem um pouco mais disciplinados, numa forma bem faseada, para não afetar o consumo.
A redução do custo para o usuário, é bom lembrar, não viria só dos seis pontos percentuais de diferença entre uma taxa e outra, mas do resultado do cálculo de juro sobre juro, que trocaria um multiplicador de 15 por outro de 9. Faz muita diferença. Há duas alegações dos bancos para aplicar o juro estratosférico: o fato de a contratação desse tipo de financiamento ser imprevisível - está sempre disponível para os cerca de 200 milhões de usuários de cartão de crédito no Brasil - e tem nível de inadimplência elevado.
Em estudo especial do BC atualizado em junho passado com dados de um ano atrás, em junho de 2022 a quantidade de cartões de crédito no Brasil chegou a 190,8 milhões, o dobro da população economicamente ativa no Brasil (107,4 milhões, segundo o IBGE). Desse total, quase a metade - 84,7 milhões de clientes - tinham saldo devedor. Esse universo compreende compras parceladas ainda não pagas e atrasos propriamente ditos, mas é 30,9% maior do que o apurado em junho de 2019, de 64,7 milhões.
Conforme esses números, Campos Neto tropeçou ao falar em "inadimplência de 52%". Ter saldo devedor parcelado significa endividamento, mas não inadimplência, palavra que define pagamento atrasado. O grupo que trabalha na solução da maior bola de neve de endividamento no país inclui Ministério da Fazenda, Banco Central, Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Instituto para Desenvolvimento do Varejo (IDV), Câmara dos Deputados e Senado, com expectativa de encontrar uma solução em até 90 dias.