Se na composição anterior do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) as atas costumavam ser um sopro de alívio no tom duro do comunicado, a primeira com dois diretores indicados pelo governo Lula mudou um pouco esse "hábito".
Primeiro, não havia tom duro a amainar e, segundo, a ata lançou até certa dúvida na avaliação dominante de que a Selic cairá a um dígito até o final de 2024. O boletim Focus divulgado pelo BC na segunda-feira (7) havia registrado redução de 0,25 ponto percentual tanto nas projeções para o juro básico no final deste ano - de 12% para 11,75% - quanto para 2024 - de 9,25% para 9% - como havia projetado o economista-chefe da Austin Rating, Alex Agostini.
Até o final do ano, a ata confirma a intenção de fazer "redução de mesma magnitude nas próximas reuniões", claro, "em se confirmando o cenário esperado". Mas chamou a atenção dos economistas a repetição da palavra "contracionista" - oito vezes, a coluna contou.
Aqui, é preciso, literalmente, abrir um novo parágrafo. O principal objetivo da política monetária, ou seja, da definição da taxa de juro, é regular a velocidade das atividades produtivas. É como se controlasse o combustível do motor da economia: quando baixa o juro, o Copom acelera; quando eleva ou mantém muito - mas muito - alto, freia. Assim, o BC tem na mira o chamado "juro neutro", que apenas mantém a velocidade de cruzeiro, sem acelerar nem frear, e pode adotar estratégias contracionista (para segurar a atividade) ou estimulativa.
Ao reiterar oito vezes que a política monetária precisa se manter "contracionista", o Copom reafirma que vai manter o pé no freio. Muitos economistas consideram a taxa atual "extremamente contracionista", porque o juro real está perto de 10%. Na ata, fica claro que esse foi um dos principais argumentos para o corte de 0,5 ponto percentual:
"Outro grupo considerou que a postura de política monetária em patamar significativamente contracionista permite um início do ciclo já no ritmo moderado considerado para as próximas reuniões, sem detrimento do comprometimento com a meta e a credibilidade da política monetária."
O nível de contração desejado é que divide opiniões: parte dos economistas vê apenas uma tentativa de desestimular apostas em cortes mais substanciais à frente, como fica explícito neste trecho:
"O Comitê julga como pouco provável uma intensificação adicional do ritmo de ajustes, já que isso exigiria surpresas positivas substanciais que elevassem ainda mais a confiança na dinâmica desinflacionária prospectiva."
Mas até porque isso já está escrito, há quem veja intenção de alertar para maior moderação em 2024, inclusive porque consta na ata uma preocupação generalizada no mercado:
"Em particular, alguns membros avaliaram que persiste alguma incerteza entre os agentes sobre a superação dos desafios fiscais, evidenciada nas expectativas de resultado primário que divergem das metas estabelecidas pelo governo, e que isso pode também estar se refletindo em expectativas de inflação desancoradas para prazos mais longos."
E há sinais, também de que o tal "juro neutro" - aquele que nem freia nem acelera - que o mercado projeta pode ser afetado uma uma série de fatores que não estão fora de cenário:
"O esmorecimento no esforço de reformas estruturais, o aumento de crédito direcionado e as incertezas sobre a estabilização da dívida pública têm o potencial de elevar a taxa de juros neutra da economia, com impactos deletérios sobre a potência da política monetária e, consequentemente, sobre seu custo para a economia."
E, sim, o Copom admite que a própria imagem do BC está em jogo nas decisões:
"Por fim, mencionou-se a hipótese de percepção dos agentes de que, ao longo do tempo, o Banco Central poderia tornar-se mais leniente no combate à inflação. Foi unânime o entendimento de que, independentemente da composição da diretoria colegiada ao longo do tempo, deve-se garantir a credibilidade e a reputação da Instituição."