Na campanha, o diplomata Rubens Ricupero apoiou Luiz Inácio Lula da Silva e diz que continua torcendo para que seu governo dê certo. Está muito satisfeito com a política ambiental - já foi ministro da área e ácido crítico das práticas do governo anterior -, mas preocupado com os rumos da política externa de seu governo. Como subsecretário-geral da Organização das Nações Unidas na época da invasão dos Estados Unidos ao Iraque (2003), criticou a violação territorial, assim como faz agora - tão enfaticamente quanto - no caso da Rússia na Ucrânia. Avalia que o Brasil já perdeu prestígio no Exterior com as declarações de Lula - especialmente as sobre a guerra na Europa, mas também os sinais de maior alinhamento à China e à Rússia. E diz esperar que na viagem que começa nesta sexta-feira (21) na Europa, o presidente se esforce para consertar esse o estrago na imagem.
A viagem à Europa é uma oportunidade para realinhar as posições do Brasil em política externa?
Espero que sim, até porque toda a imprensa americana e europeia criticou muito o presidente por suas declarações sobre China, Rússia e Ucrânia. E quase ninguém registrou o relativo e discreto recuo na visita do presidente da Romênia (quando Lula condenou a "violação da integridade territorial da Ucrânia"). O Brasil perdeu muito com esses episódios. O país só tem soft power, sinônimo de prestígio. Se perde prestígio, perde poder. E o Brasil tem de se recuperar, não agravar a deterioração da imagem dos últimos quatro anos.
As críticas foram merecidas?
Foram. Ainda teve o episódio da visita de Serguei Lavrov (ministro das Relações Exteriores da Rússia), que depois foi para Venezuela, Nicarágua e Cuba, um itinerário complicado. São párias mundiais. Ainda na campanha, Lula já havia dito que Zelensky é tão culpado pela guerra quanto Putin. Depois, disse que não estava bem informado e que não repetiria esses termos, mas voltou a afirmar algo muito parecido. Muito do que diz exprime o que pensa. Outro ponto sobre o qual não está bem informado é quando diz que americanos e europeus não falam de paz. Os maiores interessados em ter paz na região são os europeus, que construíram um bloco para evitar guerras e agora temem que essa se espalhe. Ele será injusto se não criticar Rússia e China.
Uma nova ordem imposta por chineses e russos é trocar um problema por outro.
Por quê?
Acredito que não tenha se dado conta de quanto Rússia e China estão isoladas, nem que a esquerda, na Europa, está longe de se alinhar com os russos. É um absurdo total dizer que quer contribuir para a construção da nova ordem mundial com as duas maiores ditaduras do mundo, uma das quais manda assassinar adversários até no Exterior e outra é suspeita de genocídio étnico (referência a investigação sobre a violação da Convenção sobre a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio da ONU c0ntra a etnia uigur na província chinesa de Xinjiang) e reprime opositores com violência.
Isso significa aceitar uma suposta hegemonia americana?
Não sou partidário dos americanos. Quando invadiram o Iraque e eu era subscretário das Nações Unidas, fui um dos mais ativos na denúncia. Foi uma violação gravíssima. Os americanos fazem muita coisa que merece críticas, mas uma nova ordem imposta por chineses e russos é trocar um problema por outro. Hoje, quando se diz que a governança global não é adequada, é porque não estamos encarando solução dos principais problemas da humanidade.
Seria ridículo cooperar com russos e chineses para melhorar a situação dos direitos humanos.
E quais são?
O primeiro é o aquecimento global. A China é um dos únicos países que segue aumentando o consumo de carvão e não aceitou qualquer compromisso de estabelecer um teto para essa queima, nem um prazo para parar. Esse é um problema que, se não for resolvido, os outros vão deixar de existir, porque nós vamos deixar de existir. Outro é a pandemia. Até agora não se sabe com segurança qual a origem porque os chineses não deixam fazer a investigação adequada. É esse país que vai estabelecer a nova ordem mundial? Sem contar a forma como controlaram a pandemia, de um Estado policial. Um terceiro é o dos direitos humanos. Esse, nem vou comentar muito, só dizer que seria ridículo cooperar com russos e chineses para melhorar a situação dos direitos humanos. Sem contar que, para fortalecer as democracias ameaçadas, não se pode contar com eles. Acho altamente positiva a política ambiental do atual presidente, com a indicação da Marina (Silva) para o ministério e o apoio aos povos indígenas, mas lamento que a política externa ainda esteja nessa linha.