Na posse de Dilma Rousseff na presidência do New Development Bank (NDB, chamado de 'banco dos Brics"), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez um duro discurso contra a hegemonia do dólar no comércio internacional. E acenou com pagamento das trocas comerciais entre Brasil e China sem uso da moeda americana - música para os interlocutores locais.
Já vimos esse filme: em janeiro, em sua primeira viagem internacional, havia feito o mesmo com a Argentina, em situação muito mais desesperadora - os bons clientes não têm dólares suficientes para quitar as importação do Brasil. E o que aconteceu até agora? Nada.
Já é indício suficiente para perceber que driblar o dólar em negócios internacionais não é fácil. Em discurso improvisado (sempre um risco dada a delicadeza do momento das relações entre China e Estados Unidos), Lula lançou mais perguntas do que resposta:
— Toda noite me pergunto por que todos os países precisam fazer seu comércio lastreado no dólar. Por que não podemos fazer comércio lastreado na nossa moeda? Por que não podemos ter o compromisso de inovar? Quem é que decidiu que era o dólar a moeda depois que o ouro desapareceu como paridade?
E depositou, desta vez, a responsabilidade no colo de Dilma, ao complementar:
— Por que um banco como o dos Brics não pode ter uma moeda para financiar relações comerciais entre Brasil e China, entre Brasil e outros países dos Brics? É difícil porque tem gente mal acostumada a depender de uma só moeda. E eu acho que o século 21 pode mexer com a nossa cabeça.
No comando dos Briscs, Dilma terá muitas responsabilidades e desafios. Mas não é papel do banco - como diz o nome, é de Desenvolvimento, ou seja, destinado a financiar obras que melhorem a infraestrutura e a sustentabilidade dos países-membros e associados, como a coluna já havia detalhado.
O discurso certamente não teve "bons ouvidos" nos Estados Unidos. Pode ser jogada calculada, em busca de melhor oferta dos americanos - lembrando o caso da expectativa x realidade no caso da contribuição do governo Biden ao Fundo Amazônia -, mas o risco de erro de cálculo, nesse caso, é elevado.
Atualização: presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro disse à coluna que o novo ensaio de alternativa ao dólar é mais um "remake" do que uma "reprise". Pondera que o encaminhamento é parecido, mas não igual: o que se busca com a China é uma conversão entre moedas não conversíveis, portanto uma solução comercial. No caso da Argentina, a tentativa é de criação de uma moeda conversível ante a escassez de dólares no país vizinho, ou seja, uma estratégia financeira.
Curiosidade: Lula poderia ter consultado integrantes de seu governo antes de perguntar "quem é que decidiu que era o dólar a moeda". A resposta é John Maynard Keynes, líder das negociações de Bretton Woods (clique aqui para saber mais) que criou o padrão ouro-dólar - depois veio Richard Nixon e quebrou a referência, mas essa é outra história. Keynes está na origem da escola heterodoxa que inspira boa parte dos economistas de sua equipe, além da própria Dilma.