Dois dias depois da regulamentação do crédito consignado a beneficiários do Auxílio Brasil, só a Caixa confirmou que vai operar essa modalidade de financiamento. Ainda assim, não há previsão para início da oferta. Outro banco federal, o Banco do Brasil, ainda não confirmou que terá a linha.
Os grandes bancos - Bradesco, Itaú e Santander - fugiram da proposta logo depois do anúncio de sua criação, em agosto, no "pacote de bondades" embalado para favorecer a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL).
O mesmo ocorreu no Banrisul, porque"não dá para onerar com juro o pagamento de um auxílio para que possam se alimentar", justificou à coluna o presidente da instituição, Cláudio Coutinho. As regras são quase autoexplicativas do risco embutido:permitem comprometer até 40% dos
R$ 600 mensais para pagamento da parcela do empréstimo. A família que optar por contratar consignado do Auxílio Brasil com o máximo de comprometimento permitido ficará com R$ 360 para gastar no mês.
O valor total do Auxílio Brasil só é suficiente para cobrir o custo da cesta básica do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) em cinco das 17 capitais onde o cálculo é realizado: Recife, Natal, Salvador, João Pessoa e Aracaju.
Em Porto Alegre, onde o valor da cesta chegou a R$ 748,06 em agosto, o benefício não alcança para comprar 12 alimentos (carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão, café em pó, banana, açúcar, banha/óleo e manteiga). Não inclui higiene, transporte ou habitação. Caso uma família porto-alegrense contrate consignado pelo máximo permitido, o valor restante só daria para pagar menos da metade (48%) dessa cesta.
Em agosto, 29,6% das famílias brasileiras não conseguiram pagar todas as contas em dia. O índice de inadimplência (dívidas em atraso) da Confederação Nacional do Comércio (CNC) atingiu o patamar mais alto desde o início do levantamento, em 2010. E em Porto Alegre, é ainda mais elevado: 39,4%. Nunca é demais lembrar a diferença entre o conceito de "endividados" - têm pendências, mas quitam regularmente - e "inadimplentes" - que não conseguem conseguem pagar as contas em dia.
Quase um terço das famílias, neste momento, faz o que economistas chamam de "rodízio de boletos", ou seja, priorizar o pagamento de contas mais importantes para a sobrevivência: comida, luz, água e gás, geralmente. Em tese, o consignado é a linha de crédito mais indicada por ser a mais barata, já que tem possibilidade de desconto do benefício. Mas quando até os bancos refugam, é porque há mais risco do que oportunidade.