Com larga experiência no mercado de moedas, Sidnei Moura Nehme, diretor-executivo da NGO Corretora, avalia que a estratégia de "juro baixo e dólar alto" do ministro da Economia, Paulo Guedes, não deu certo. Embora sustente que não era uma tese equivocada, na origem, agora, passou a ser mais um risco para a estabilidade brasileira. Destinada a incentivar investimentos externos em um Brasil com real desvalorizado e internos com dinheiro barato, não alcançou nem um coisa, nem outra. A transação mais ambiciosa que permitiu, até o momento, na visão de Nehme, é uma "pedalada bem feita": a transferência de R$ 325 bilhões do Banco Central (BC) ao Tesouro Nacional, a título de lucros obtidos com operações cambiais.
A estratégia do "juro baixo e dólar alto" não funcionou?Exceto o agronegócio, ninguém se mexeu, então não deu certo. Ao dizer que queria "dólar alto" e não definir parâmetros, provocou um movimento especulativo que levou à alta no câmbio. Depois veio a pandemia e, com a elevada incerteza, o dólar foi a R$ 6. Foi um descontrole, o BC atuou um pouco, ficou o consenso de que vai ser situar entre R$ 5 e R$ 5,50. Quando foi feita a revisão das contas externas e o déficit em transações correntes baixou de US$ 41 bilhões para US$ 13 bilhões (no relatório trimestral de inflação de junho), tirou a pressão sobre o dólar. O que está ficando claro é que há um sobrepreço. Um relatório do Institute of International Finance (IIF) concluiu que o dólar em relação ao real está cerca de 15% acima do equilíbrio. Na equação de Guedes, não ficou claro o que era "dólar alto", e ficou alto demais. Não que a tese fosse errada, mas ficou fora do razoável.
Esse excesso de desvalorização do real está na origem da alta de preços?
Sim, e o problema está em toda a cadeia de produção. Nos alimentos, no minério de ferro, em todo produto que tem demanda externa ou forma preço em dólares. Vamos ter inflação. O IBGE não capta porque a composição da cesta para a qual a inflação é medida é de renda alta (o IPCA é calculado com base em padrão de consumo para famílias com renda de até 40 salários mínimos, leia detalhes abaixo). Exportamos arroz até para a Venezuela, que não paga. E falta estoque regulador. O dólar está em um parâmetro excessivo de preço que não há como justificar. É verdade que tem muita volatilidade, e tem gente usando real para fazer hedge de outros mercado, compram minicontratos, fica barato para fazer hedge. Com o juro muito baixo, é pouco provável que a inflação baixe.
É como o lojista que compra por 100, agora vale 200 e diz que teve 100 de lucro. É só resultado contábil.
Como avalia a operação em que o BC passou para o Tesouro R$ 325 bilhões em lucros com operações cambiais?
É um sofisma. A gente sabe como o BC apura o lucro, corrige o valor do estoque. É o valor do que está na prateleira. É como o lojista que compra por 100, agora vale 200 e diz que teve 100 de lucro. É só resultado contábil. Só vira lucro de verdade no dia em que vende aquele estoque. Como o BC não vendeu as reservas, não foi monetizado. Só seria um lucro real se tivesse vendido. Cada um da a pedalada da sua forma.
Na sua avaliação, foi uma pedalada?
Como o pessoal não consegue entender a essência do lucro do BC, que vem do reajuste do valor do estoque, não da venda do estoque, foi uma pedalada bem dada. O BC tinha 100, que agora valem 150, mas não vendeu 50, apurou o lucro e transferiu para o Tesouro. É lucro contábil, não monetizado. Na hora que der prejuízo, o dinheiro não volta. O Tesouro emite papel e paga o BC com títulos. Só seria efetivo se tivesse vendido boa parte da reserva, o que não ocorreu. Foi feito para aliviar a pressão do caixa, porque assim não expande a dívida. Mas se o dólar cair muito, vai ter de emitir dívida para devolver.
O Brasil tem essa combinação desastrosa, os contratos, como conta de luz, telefone e aluguel, são reajustados pelos IGPs, e os salários, pelo INPC. O poder de consumo está sendo fulminado.
Como sair desse impasse?
O juro está muito baixo, independentemente da inflação. Outros países parecidos não cortaram tanto. O México, por exemplo, parou em 5%. Nós continuamos reduzindo. Isso traz desequilíbrio, tem de buscar ajustes. A inflação vai vir mais forte, e não adianta apertar os supermercados. Um ou outro pode estar especulando, mas não tem como fazer pressão do comprador para o vendedor no mercado externo. Para o governo, seria interessante o dólar cair. É uma equação que vai ter de acertar para tirar essa pressão que está passando para os preços. O Brasil tem essa combinação desastrosa, os contratos, como conta de luz, telefone e aluguel, são reajustados pelos IGPs, e os salários, pelo INPC. O poder de consumo está sendo fulminado. Agora, o ajuste terá de ser no juro. Não é discurso de rentista, querendo que o juro suba, até porque o investidor lúcido está aplicando em IGP-M e ganhando 13% ao ano.
Os principais índices de inflação
IGPs: Índices Gerais de Preços, calculados pela Fundação Getulio Vargas. Têm três variações, IGP-M, IGP-DI e IGP-10, com diferença apenas no período de apuração. Cada um é composto por três subíndices: Índice de Preços no Atacado (IPA), com peso de 60%, Índice de Preços ao Consumidor (IPC), com peso de 30%, e Índice Nacional do Custo da Construção (INCC), com peso de 10%.
IPCA: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado, calculado pelo IBGE, é considerado o índice oficial do Brasil porque serve de referência para o Banco Central. Mede a variação de preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e 40 salários mínimos.
INPC: Índice Nacional de Preços ao Consumidor, também do IBGE, mede avariação nos preços de produtos e serviços consumidos por famílias com renda entre um e oito salários mínimos. É a referência para negociações de reajustes salariais.
IPCs: Índices de Preços ao Consumidor calculados pela FGV, tem quatro variações, entre as quais a mais conhecida é o IPC-S.