Nascido em Vacaria, Maurício Benvenutti foi, a seu tempo, um jovem rebelde que correu riscos na construção de sua carreira. Executivo de multinacional, saiu para ajudar a construir a XP Investimentos, hoje é sócio da Startse, uma plataforma que tem a intenção de ajudar a fortalecer a cultura empreendedora. Mais do que "um" sócio, é o que coordena as atividades da plataforma no Vale do Silício, onde acompanha de perto as transformações cada vez mais rápidas da economia. Começou sozinho, hoje tem uma equipe de nove. Conta que um dos novos alvos são as grandes empresas, que têm de acompanhar a velocidade das transformações, além de dar condições aos "rebeldes que se formam nas universidades".
Vocês percebem mudanças no ecossisstema desde a criação da StartSe?
Todo dia, a gente levanta a cabeça do travesseiro pensando: 'Como a gente faz a atividade empreendedora brasileira ser melhor? Como a gente ajuda o empreendedor, tanto o empreendedor que cria novos negócios do zero quanto o que existe há 20, 30 anos, que já tem a empresa estruturada em laços muito fortes?'.
Todos precisam de ajuda ou atualização?
O mundo mudou, e muitos perceberam, mas a grande maioria ainda busca se alinhar. Nosso objetivo é fomentar o empreendedorismo e a educação. Temos hoje na StartSe uma comunidade de 6 mil startups cadastradas, 5 mil investidores, 4 mil mentores, pessoas que decidem doar parte de seu tempo para assessorar novos projetos. São participantes desse ecossistema que estão desenvolvendo uma economia diferente. Com toda essa transformação, não só no Brasil, no Estado, mas no mundo, como a gente conecta as grandes empresas brasileiras que existem há muitos anos, que deram supercerto durante esse período, a esse mundo todo que está sendo criado por empresas jovens, que vêm com anseios diferentes, para atender a um público que cresce em uma sociedade totalmente diferente? Trabalhamos tanto o desenvolvimento desses projetos novos, dessas startups, quanto grandes corporações do Brasil adaptarem sua atividade, seu modelo de produção, de gestão de negócios, frente a essa realidade sem precedentes. É muito claro que o que funcionou nos últimos 50 anos e é motivo de orgulho, não vai funcionar nos próximos 10. A Embraer, que é um case que dá orgulho aos brasileiros, fechou parceria com a Uber e vai produzir 'carros voadores'. O Banco do Brasil tem mais de 200 anos e está com centro de inovação no Vale do Silício.
Quais foram os maiores avanços e o que ainda é complicado fazer?
Temos quatro pilares: a informação, então buscamos compartilhar notícias e informações relacionadas a inovação e empreendedorismo, a educação como ferramenta para transformar a sociedade, temos cursos, palestras, workshops, conferências, a plataforma, então essas 6 mil startups e 5 mil investidores estão em uma plataforma e se conectam, e o quarto é o corporate, conectar grandes empresas a tudo isso. Nos últimos 12 meses, tivemos excelentes resultados em algumas áreas. Montamos uma operação no Vale do Silício, região mais inovadoras do mundo. Temos hoje 10 pessoas trabalhando lá e 30 pessoas no Brasil.
Você está nessa operação?
Moro lá. Comecei do zero, hoje tem nove pessoas comigo. Estamos conectado com todas as principais aceleradoras e centros de inovação do Vale. Como estamos conectado naquele ecossistema, conseguimos construir uma ponte entre Brasil e Vale do Silício de uma maneira muito eficiente. Para empresas que pedem ajuda, se a gente não encontra no Brasil, consegue encontrar lá. Então esse foi um avanço grande nos últimos 12 meses. Outro foi o do quarto pilar, o do corporate, que não existia há 12 meses. Na próxima sexta-feira, vamos fazer um evento de inovação corporativa em São Paulo para 200 grandes empresas.
E os desafios?
Temos, como sociedade e nação, pensar em como preserva a nossa população. Como dá condições para as pessoas viverem melhor? Como faz as empresas que já existem continuarem existindo? Como permite a entrada de toda essa inovação? Como permite que esses rebeldes que estão se formando e têm sede de transformar o mundo, Porto Alegre, o Estado, o país? Como permite que essas ideias novas penetrem na sociedade? Um desafio que temos é dar luz e condições para que toda esse turma que nasceu em um mundo totalmente diferente, esses millenials, que já vêm com uma cabeça totalmente digital, que vão exercer poder de compra daqui a alguns anos.
Na prática, qual é o maior desafio maior, recurso, cultura?
Para se formar um ambiente de inovação, é preciso unir três fatores, envoltos por um quarto. O primeiro é a rebeldia, a pessoa que olha para os lados, não aguenta mais as mesmas coisas e quer criar algo melhor. O Brasil está repleto de rebeldes e criativos. Segundo, conhecimento. Se tiver um rebelde sozinho, com uma bandeira, querendo transformar o mundo, precisa colocar capital intelectual ao lado dele para transformar rebeldia em produto e serviço. Talvez o conhecimento seja o ponto em que o Brasil precise ganhar. Temos boas universidades, mas poderia ser melhor. O terceiro é capital. É preciso ter a pessoa que investe em 20 ideias sabendo que vai perder em 17, 18, mas o que der certo vai pagar todo o investimento feito. O Brasil ainda tem um universo tímido de capital de risco, de desenvolvimento de novos negócios. O quarto, que envolve todos, é o poder público. Rebeldia, conhecimento, capital e poder público formam o ecossistema emprendedor. Quando o poder público abre as portas, ajuda, quando fecha torna tudo mais lento.
No Brasil, o vetor do poder público não é de imobilismo?
O que vejo no Brasil é que o financiamento da inovação vai vir das empresas, das corporações. No mercado americano, com juro praticamente zero, o custo de oportunidade para deixar o dinheiro parado é alto. O apetite para investir em empresa nova é maior. Visto que temos cultura diferente, corporações que sabem que têm de inovar e têm dinheiro, podem ser a ferramenta que vai financiar a cultura inovadora no Brasil. Foi o que ocorreu com Itaú, Bradesco, Ambev, inúmeras instituições investindo em startups, corporate inovation.
Existe uma busca do "next big spot", o novo Vale do Silício. Faz sentido?
Gosto muito de estudar os contrapontos. Moro no Vale há três anos, tem muita coisa boa feita lá, é berço de inovação mundial, mas existem outros centros de inovação pelo mundo, como Austin (Texas), Israel, Índia, China. A gente olha muito pouco para o que está sendo feito na China, mas temos Baidu (buscador), Didi (espécie de Uber), WeChat (espécie de WhatsApp), são empresas que aqui não se dá muita atenção, mas estão revolucionando o mercado chinês. Nas últimas 50 décadas, boa parte do que surgiu e transformou a sociedade nasceu no Vale: o computador pessoal, a indústria pontocom, a de aplicativos, a das redes sociais. Agora estão pesquisando que o futuro não é mais com wearebles (dispositivos usáveis), mas com chips implantados na pele.