O regime de metas de inflação foi implantado no Brasil em 1999, depois de uma grande crise cambial, que fez os preços subirem muito. Quem implantou foi Sérgio Werlang, então na diretoria monetária do Banco Central. Embora não seja defensor da tese da "dominância fiscal" – tese segundo a qual, elevar o juro para frear a inflação teria perdido efeito no Brasil frente ao tamanho do buraco nas finanças públicas –, Werlang pondera que o Brasil "precisa" de um pouco mais de inflação para permitir reduzir, na prática, o peso de gastos que não podem ser reduzidos nominalmente. Logo depois do anúncio da redução da meta de inflação, de 4,5% paras 4,25% em 2019 e 4% em 2020 – quando o Brasil terá um novo governo – Werlang explicou à coluna porque não aprovou a medida.
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Meta mais apertada
"Particularmente, não gosto. A média da meta dos emergentes é 4%, mas os mais organizados macroeconomicamente estão na faixa de 3%. Só que o Brasil tem uma legislação que, por exemplo, proíbe redução de salário nominal, demitir funcionário público. Fica muito difícil fazer ajuste fiscal por corte de despesas. E muitos dos países que estão com meta de 3% ao ano não têm esse problema. Portugal, Irlanda, Espanha, são países desenvolvidos que fizeram corte de salário nominal no setor público, o que foi importante para o ajuste fiscal. Isso é impossível de fazer no Brasil. A meta brasileira de inflação tem de ser um pouco mais alta do que a de países que não têm essa restrição e não enfrentam problema fiscal. Quando a inflação é um pouco mais alta, permite manter o valor nominal, mas diminui o real (valor oficial, descontada a inflação). Ou seja, a arrecadação sobe mais ou menos com a inflação, e a despesa nominal fica parada. Por isso, a meta de inflação no Brasil pode ser um pouquinho mais alta, não muito, 4,5%, com o qual a gente consegue conviver de forma estável por muito tempo. Ter meta um pouco maior do que em outros países emergentes não é absurdo. O lado positivo é que estão fazendo mais para o longo prazo, e não estão convergindo para 3%, mas para 4%, o que é melhor. Mas ainda assim, acho que reduzir de 4,5% dá a ideia de que no Brasil, no fundo, é melhor convergir para essa inflação de 3% ao ano, que é a média dos emergentes. Enfim, não concordo em absoluto com isso por conta dessa diferença de legislação."
Pouca diferença
"É óbvio que não faz muita diferença. Mas a ideia que está por trás é de que menos inflação é melhor. No Brasil, não é assim. No Brasil, tem de ter inflação mais ou menos no nível que está. Menos inflação não é bom porque leva mais tempo para conseguir consumir, em termos reais, as despesas fixas nominalmente pela legislação. Hoje, nosso grande problema não é inflação, é fiscal."
Dominância fiscal?
"Não acredito que haja dominância fiscal no sentido de que aumentar o juro vai aumentar a inflação. Mas tudo que manda no Brasil é fiscal. Não acredito porque, inclusive, a evidência empírica é muito clara: se você aumenta o juro, cai a inflação. O ponto é que, na área fiscal, nosso problema faz com que precisamos ter uma inflação, em média, mais alta do que os países emergentes parecidos com o nosso."
Efeito no juro
"O ponto de vista é o seguinte: se a meta ficasse em 4,5%, o BC tinha de reduzir muito o juro para poder acelerar a inflação para esse nível. Não vai fazer diferença enorme a meta em 4,25%. Para a política monetária, tem pouco impacto. Na verdade, o juro nominal poderá ser um pouco menor, porque terá taxa real de longo prazo composta com a inflação da meta. Essa é mais ou menos a política monetária de longo prazo estável. O problema não é o juro. No Brasil, enquanto não se modificam nossas legislações que dão rigidez enorme ao orçamento, precisamos usar a inflação para diminuir custos em termos reais."
Decisão política
"Não faz muita diferença. O problema de decidir sobre 2019 existiria com 4,5%, 4%, 4,25%, enfim, porque a gente nunca sabe quem vai ser o próximo presidente. O próximo presidente pode querer alterar a meta de inflação, obviamente teria custo institucional muito grande, não deveria ser alterado, mas poderia, em tese. O mais importante do sistema de metas é que o BC tem seguido a regra e isso faz que a sociedade como um todo fique melhor. Aparentemente, é um fato razoavelmente bem compreendido tanto por políticos de esquerda quanto de direita. É uma decisão mais técnica. E, do meu ponto de vista, não é positiva. É uma notícia ruim."