Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos sócios-fundadores da Rio Bravo, desembarca em Porto Alegre nesta semana para uma série de compromissos. Nesta segunda-feira (26), participa da posse da nova diretoria do Instituto de Estudos Empresarias (IEE), no Iberê Camargo. Na terça (27), será o principal palestrante do CEO Fórum, promovido pela Amcham Brasil, que ainda tem Marcos Troyjo, Gustavo Ioschpe e José Mario Caprioli. Gustavo já "se assistiu" – o personagem que o representa é o fio condutor do filme Real – O Plano por Trás da História.
– É estranho. Estava preparado, acompanhei algumas etapas da produção. A aderência com a realidade é pequena. É uma pena que o filme tenha se distanciado do livro, que tinha uma narrativa fiel. Vi, e o que tenho a comentar é que é uma fábula – disse à coluna.
Leia mais
"É um recomeço depois de um tombo muito grande", avalia economista da USP
Presidente enroscado, economia congelada
BC adota estratégia "sossega-mercado"
Que tipo de plano de plano poderia salvar o Brasil hoje?
A situação hoje é bem diferente, lembra muito mais a situação de 1989 do que a de 1993. A diferença básica, no entanto, é que de lá para cá tivemos um programa extraordinário de construir instituição com o mandato de proteger a moeda e a responsabilidade fiscal. O problema comum é a paralisia e a falta de liderança política. Mas não tem uma consequência semelhante, ou seja, não se traduz em inflação descontrolada. Essa é uma diferença importante.
Você tem dito que a encrenca é maior do que a esperada. Qual é a encrenca e qual tamanho tem?
É menos um problema como era o da hiperinflação e mais um problema comum a outros países, de finanças públicas descontroladas, desemprego e incapacidade de fazer reformas modernizadoras mais do que necessárias e que vão sendo adiadas há muitos anos. Não é uma urgência como era a da hiperinflação, que era uma doença rara, difícil, complexa. Não quero dizer que agora não seja difícil, está longe disso. Nosso problema agora não é tão diferente do de outros países de iniciar o desenvolvimento econômico. Talvez tenha um ingrediente amargo, adicional, que é o de descobrir que o Brasil não está condenado a dar certo. Na verdade, temos dado errado há muito tempo, a produtividade de trabalho, a renda per capita está estagnada há três décadas. Para ser preciso, são três décadas de estagnação da renda brasileira real em relação a renda americana. O Brasil hoje tem renda per capita que equivale a cerca de um quarto da americana, e era assim há 30 anos. É um sinal de fracasso da estratégia de desenvolvimento. Nesse período, acho que foi bem sucedido em superar um obstáculo importante para alcançar o desenvolvimento, que é a esculhambação fiscal e monetária que vivíamos até 1994. Está resolvido, mas, por si só, não assegura o desenvolvimento econômico. É preciso avançar com várias outras agendas de modernização, de reforma, e nós estamos encalhados nessas agendas já faz tempo. Deveriam ter vindo depois do Real. Houve certa fadiga de reformas, o governo que se seguiu, o governo Lula, também não fez nenhuma ênfase a reformas modernizadoras para o mercado. Ficamos parados no tempo e aconteceu o que aconteceu.
Dizer que o problema do Brasil é comum a outros países, significa que foi criado por uma crise internacional?
Muitos países encontram dificuldades para sair de um nível de renda muito baixo e alcançar níveis de renda dos desenvolvidos. É um problema de todo mundo, comum no planeta Terra, exceto nos países mais ricos. Esse é o nosso problema. Não tem nada a ver com crise internacional. A comparação internacional apenas permite que se observe, por exemplo, que a Coreia do Sul tinha a mesma renda per capita do Brasil de 30 anos atrás. E hoje tem renda per capita de mais do que o dobro. A Coreia deu certo no seu modelo de desenvolvimento econômico, enquanto o Brasil não deu. E o Brasil, no entanto, continua insistindo em políticas protecionistas, substituição de importação, busca da autossuficiência, um grande Estado desenvolvimentista, muitas coisas que não estão mais funcionando há mais de 30 anos. E evita mudar.
Você diz que o Brasil voltou ao "feijão com arroz" (política econômica do final do governo Sarney). O que é parecido?
O que vivemos agora é um processo de paralisia. Ao mesmo tempo, as expectativa que, a uma certa altura, foram otimistas sobre o governo Temer, murcharam. Não se tem mais tanta fé nas reformas, nas outras agendas que viriam junto. O tempo parece que parou, sobretudo depois da publicação das gravações do Joesley (Batista). E é como se o tempo tivesse parado desde então, só que é um período muito longo até 2018 para o Brasil ficar parado. Já estamos há 30 anos tentando recompor o processo de desenvolvimento econômico e agora a gente está tendo de esperar mais um ano para a eleição para então se definir qual será o modelo e a liderança, já que, aparentemente, esta que temos agora se esgotou. Essa era a sensação que tínhamos em 1989. A liderança política estava esgotada e era um lento desenrolar do final do governo, que não terminava nunca. É uma sensação de tempo perdido imensa.
O que seria uma alternativa viável?
Hoje as alternativas políticas são conhecidas. Depois que o TSE deliberou que não vai haver a cassação da chapa, o que se imagina é que as denúncias que virão da Procuradoria-Geral cheguem ao Congresso e lá o presidente seja capaz de reunir votos para barrar a abertura do processo. Nesse caso, o que se tem é o governo permanecer tentando restaurar o clima de normalidade, com muita dificuldade, eu acredito, até o fim de 2018.
Estamos condenados ao feijão com arroz, não vai variar o cardápio?
Tenho impressão que sim.
A dificuldade em fazer reformas no Brasil passa pela falta de consenso?
Nessas reformas, como qualquer processo de modernização, nunca existe consenso. É sempre uma destruição criadora, como é próprio do progresso. As reformas ocorrem em contexto de liderança política que as conduz com legitimidade, não com consenso, mas com consentimento próprio da democracia. Um governo eleito para conduzir um programa de privatização conduz sem o consenso, mas com o consentimento da maioria que o elegeu. É uma questão de legitimidade, não de consenso. Até porque na base do consenso as coisas não funcionam. Prevalece uma certa apatia da população que não entende bem como as coisas são. Veja o exemplo da Previdência. A população se manifesta em pesquisas contrária a reforma da Previdência, mas quando se pergunta item por item, manifesta-se majoritariamente a favor. Então não é um problema de comunicação. É um problema de apatia, que é própria da democracia participativa. A dona de casa não entende por que a privatização é boa, nem é uma preocupação dela. As esferas políticas especializadas, o parlamento, a representação é quem cuida disso. Nunca as reformas vão ser populares. Claro, o resultado tem de ser bom. O caso do combate a inflação foi parecido. Ficamos quantos anos para fazer essa grande reforma chamada estabilização? Foram muitos anos, e muita gente achando ruim. Não havia consenso no modo como se fazia a estabilização. Quando vem, sempre parece uma coisa imposta, mas os resultados falam por si.
Há sentido em fazer agora algum tipo de "pacote de bondades"?
Certamente não, sobretudo tendo em vista o que foi feito no governo anterior. Muita gente parece só conseguir enxergar esse modo de fazer. Claro que existem alternativas, políticas racionais de ajuste fiscal, que podem resolver nosso problema. Não é insolúvel, mas precisa formular. Não está escrito que todas as iniciativas são sempre "maldades". Um exemplo local, de onde eu vivo, é o Rio de Janeiro. O primeiro olhar sobre as medidas de ajuste é de uma coleção de maldades, cortes. É como a pessoa que chega doente no hospital. Precisa tomar um remédio, pôr coisas no lugar, fazer coisas doloridas. A recuperação da saúde vem depois. O governo federal tem como ajudar Estados a fazer seu dever de casa. Na segunda metade dos anos 1990, fez o Plano Real, e um ajuste nos Estados do qual resultou a privatização de muitos ativos, inclusive muitos bancos estaduais, com exceção do Banrisul, mas não do Meridional. No Rio, vendeu o Banerj, outros ativos da área de energia para arrumar as finanças, colocar a folha em dia, passar a contribuir de forma racional para os sistemas previdenciários. Por tudo isso, foi equacionado naquele momento com muito sacrifício. Estávamos em senda correta. É esse caminho que precisamos recuperar. No caso do Rio e do Rio Grande do Sul, os casos são muito parecidos. Isso poderia ser iniciado. As negociações estão acontecendo. Tem muitas agendas interessantes de providências para fazer, no mundo da federação, no mundo bancário, não era para estarmos paralisados. Mas a crise política consome as energias do governo. Parece que não tem outra agenda, não tem outro enredo, e todo dia é igual, só muda o nome da operação da Polícia Federal, é um tanto monótono.
Então só haverá providências a partir de 2019, continuamos no feijão e arroz em 2018?
Vejo nas pessoas que compõem os principais cargos da área econômica muita capacidade de formulação e em diversas áreas, inclusive muitas estão avançando. É um exagero falar que o tempo parou. Vamos olhar, por exemplo, para a Petrobras. A empresa está sofrendo um processo de rearrumação rigoroso e bem-sucedido. Ainda está no começo, tem muito a melhorar, mas é um progresso muito evidente. Tem coisas acontecendo, tem várias possibilidades, é uma pena que tantas reformas mais amplas dependam de uma equação política que se desfez. Isso reduz as esperanças das pessoas. O que quer que possa ser feito daqui até o fim do governo tem ambições modestas.