Ao receber a visita de Mariano Rajoy, em abril, o presidente Michel Temer afirmou que o projeto de reforma trabalhista que está no Congresso tem semelhanças com o implantado pelo chefe do governo espanhol em 2012. Para entender o que ocorreu lá, a coluna ouviu Sara de la Rica, professora catedrática da Universidade do País Basco (UPV). A economista afirma que as medidas flexibilizaram as relações laborais, diminuíram o poder de sindicatos e ajudaram a gerar postos de trabalho na Espanha, mas com piores condições.
– Uma reforma trabalhista não cria empregos se o PIB estiver em baixa. Pode evitar a destruição de tantas vagas – avalia.
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Antes da reforma
"Com a crise, em 2008, houve perdas de empregos na Espanha que não puderam ser evitadas, as causadas pela bolha imobiliária. Os postos no segmento da construção representavam 14% dos trabalhos no país. Quando explodiu a bolha, caíram para em torno de 7%. Outras empresas foram arrastadas pela falta de demanda. O PIB e a geração de empregos começaram a cair em 2008, mas os salários cresceram até 2011. Essas condições não foram ajustadas. Então, houve mais demissões em seguida. Isso poderia ter sido evitado se antes houvesse flexibilidade bem regulamentada."
Modelo espanhol
"O objetivo da reforma foi flexibilizar as relações trabalhistas. Está relacionado a três aspectos. O primeiro foi facilitar a demissão objetiva (devido a causas econômicas, técnicas ou de produção), que já era mais barata do que a improcedente (desliga sem demonstrar a necessidade do corte). Outro ponto foi limitar o poder dos sindicatos. Antes, era necessário ter apoio das entidades para demissões coletivas. Com a reforma, só é preciso informá-las. O terceiro é a baixa nos salários. Por meio da modificação substancial de contrato, permitiu que empresas em crise reduzissem a remuneração dos funcionários, sem diminuir a jornada. Previne, em muitos casos, a demissão."
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Trabalho Temporário
"Depois de dois anos de geração de empregos, a taxa de temporalidade supera os 25%. Até que os custos de demissão de temporários e indefinidos não sejam igualados, penso que o índice rondará os 30%. De 10 novos empregos, nove são temporários. Desses, 20% são de menos de uma semana."
Parte dos efeitos
"A precariedade aumentou muitíssimo. Segundo artigo da reforma, em caso de perdas, a empresa pode mudar substancialmente parte dos contratos. Por exemplo: o empresário pode baixar em 30% o salário do empregado, que, se não aceitar a proposta, é despedido. As medidas da reforma diminuíram as demissões, mas criaram nova precariedade."
PIB-dependência
"As empresas não criarão empregos sem geração de riqueza. Vale em qualquer lugar. A reforma na Espanha ocorreu em 2012, mas só em 2015 começou a criar empregos, porque o PIB voltou a crescer. Agora, há geração de cerca de 500 mil postos de trabalho anuais, que correspondem à alta de 3%, similar à do PIB. Os salários baixaram com a reforma. Novas contratações têm condições precárias, por conta da temporalidade dos contratos, com salários que caíram em média 20%."
Situação brasileira
"Pelo que li, a reforma no Brasil busca diminuir o poder dos sindicatos, tanto por dar peso à negociação nas empresas, como por tornar opcional a contribuição às entidades. Não conheço tanto a situação local. Se há rigidez, o aumento da flexibilidade é necessário, porque permite que as empresas se ajustem por meio de horas de trabalho, não por demissões. Mas é necessário regular essa flexibilidade porque, sem isso, o país pode cair na precariedade, como a Espanha. É necessário que os trabalhadores tenham seus representantes, mas também é certo que os sindicatos tenham de entender que o emprego está mudando. Reivindicações passadas devem dar espaço a outras."