O gaúcho Luciano Deos, fundador da Gad, vive em São Paulo há 11 anos. Mesmo assim, brinca:
– Somos primeiramente gaúchos.
Não é só bairrismo: da equipe de 60 pessoas, 15 estão em São Paulo e 45 em Porto Alegre, onde a Gad nasceu há 32 anos e se tornou uma das principais gestoras de marca do país. Na semana passada, Deos participou do lançamento da marca resultante da união da BM&FBovespa e da Cetip, a B3, que nasceu como quinta maior bolsa do mundo. Foi uma mudança e tanto para um nome tão conhecido no mercado.
Quando mudar a marca
Tanto em momento favorável, quando a empresa se reforça com uma aquisição, ou fusão, quanto em momento de crise, mudar de marca é uma decisão difícil, admite Deos, que ganha a vida trabalhando em um segmento conhecido como "branding", ou construção e consolidação de marcas.
– É uma pergunta muito comum. Para lançarmos a marca que resultou da fusão entre BM&FBovespa e Cetip, começamos a reflexão quase um ano atrás. Tínhamos dúvidas. Nesse caso, não era problema de imagem. A Bovespa é centenária. Já havia agregado a BM&F. A Bovespa é um ativo que se confunde com o mercado de capitais. Então, tínhamos dúvida se trocaríamos ou não. Sempre gostamos de apresentar para o cliente quando se deve mudar ou não de marca. Faz sentido quando há mudança importante na estratégia. É preciso dar sinal disso.
Se já é complicado adotar essa solução quando o fato gerador é positivo, como no caso da ex-Bovespa, Deos pondera que mudar a marca por desgaste, como se especula no mercado sobre a Odebrecht, é ainda mais complexo:
– Por outro lado, quando há grave crise de imagem e assume-se ter verdadeiramente nova agenda, também se pode pensar em mudar de marca. Vejo muitos colegas dizendo que isso é absurdo em uma corporação como a Odebrecht, que estaria, em caso de troca de marca, se escondendo. O problema não seria esse. O problema seria o que a compania iria fazer ou não. As marcas não são como pessoas. São diferentes. A marca de certa forma é a síntese da promessa e da entrega da empresa. A Odebrecht, como qualquer outra envolvida (na Operação Lava-Jato), está se mexendo. Já fomos consultados por mais de uma dessas companhias. Se as marcas se propõem de fato a uma nova agenda, têm toda legitimidade para mudar. Essas empresas não deixarão de responder a questões legais. Há muitas pessoas ligadas às corporações que têm de carregar esses nomes, mas não são responsáveis pelo que aconteceu.
Marcas e a crise
Deos diz que sua área é uma das primeiras a sentir as flutuações da economia:
– Somos o primeiro a patinar. Quando vem a crise, a empresa arranca e joga fora esse custo.
A Gad sentiu o impacto da recessão na metade de 2015. Teve de se adaptar à nova realidade, segundo Deos "mais consciente", mas ainda no segundo semestre de 2016 começou a ver alguma reação:
– Projetos sobre os quais conversamos nos últimos dois anos começam a ser retomados agora. As empresas têm de começar a fazer alguma coisa, estão só no tubo, com respiração mínima. São sinais ainda lentos, mas mais consistentes, a gente começa a ver algumas coisas acontecerem. Temos uma expectativa boa, mas sabemos que nada será como antes.
Danos à imagem
Deos vê um "momento muito sensível à imagem de marcas":
– Muitas corporações tiveram crescimento acelerado, com investimento do governo, de bancos públicos, casos de BRF e JBS. No momento em que o país entra em crises econômica e de ética, muitas dessas marcas ficam mais expostas.
Na avaliação do especialista, as grandes marcas crescem quando sabem lidar com adversidades, mas considera esse um "grande desafio".
– A questão da liderança é chave nesse processo. No caso da Operação Carne Fraca, a JBS e a BRF ficaram expostas. Vejo que, às vezes, as marcas não têm rosto. A BRF, de maneira muito esquisita, foi para a mídia e resgatou frase do Atílio Fontana, fundador da Sadia, que não tem mais nada a ver com a empresa. De certa forma (por conta da fusão com a Perdigão), o fundador da BRF é alguém de private equity (fundos especializados em comprar participações acionárias em empresas, geralmente em dificuldade).
Na avaliação de Deos, a comunicação foi "muito confusa". Além de ter resgatado uma frase que não era parte da imagem da BRF, faltou o rosto, aponta:
– Ninguém (da empresa) se apresentou. Neste momento, as marcas precisam de um rosto, de uma liderança. O tema das marcas hoje é o novo e a verdade. Se você tem intenção de ter marca forte, há duas premissas fundamentais. O novo e a verdade representam uma. A outra é a história da marca com sua experiência. A história é o discurso, a narrativa. A experiência é o que (a companhia) faz: se falo que sou ético, tenho de agir de maneira ética.
A ressaca da consciência
Para definir "novo", "verdade", "história" e "experiência", Deos separa a teoria da prática, para lembrar que embutem uma série de dificuldades.
– Gosto de dizer que, enquanto todos estavam no início da festa rave, estava maravilhoso. Agora, quando a manhã começa a chegar, todos ficam loucos. Aí, começam os problemas. Há perda de consciência. A ressaca é de consciência. Muitas marcas têm dificuldade para lidar com esses processos. Falta clareza no discurso. Falta assumir os problemas. Falta ser verdadeiro. As pessoas entendem que as marcas têm mais ou menos credibilidade. Quando olhamos para BRF e JBS, temos diferença grande em termos de marcas, de história, de produto. As corporações ainda nem tem imagens públicas constituídas. O tema de assumir e encarar a situação é chave.