Fora do universo empresarial, Pedro Grendene Bartelle ficou mais conhecido por protagonizar um vídeo que viralizou quando ganhou uma bolada colocando muitas fichas na roleta de um cassino em Punta del Este, mas como gestor o gaúcho se orgulha de outra aposta: a reestruturação da Vulcabras Azaleia. A empresa enfrentou dificuldades, mas voltou a ter lucro em 2016 e, agora, prepara-se para investir em máquinas, equipamentos e contratações. Bartelle conversou por telefone com a coluna desde Horizonte (CE), mas conta que passa a maior parte de seu tempo em Parobé, onde nasceu a Azaleia, comprada pelos família criadora da Melissa.
O que permitiu, no difícil 2016, reverter para lucro de R$ 25,6 milhões o prejuízo de R$ 50 milhões de 2015?
Além das dificuldades econômicas do país e da instabilidade política, passamos por um ano em que o consumo de calçados no Brasil caiu 16% em 2016. Como a empresa aumentou a venda em 17% no ano passado, dentro e fora do país, acho que a estratégia deu certo. A empresa passou por uma reestruturação importante. Entre 2011 e 2013, muitos excedentes de calçados no mundo foram para países emergentes, entre os quais o Brasil. Sofremos uma invasão de produtos subsidiados. Isso fez com que a gente passasse por uma crise grande nessa época. A empresa precisava de mudança, então contratamos uma consultoria, a Galeazzi, que fez a reestruturação do Pão de Açúcar, entre outras, que entre 2013 e 2014 nos ajudou a melhorar a governança, profissionalizar a gestão. Assumi a presidência há dois anos e meio, participei de todo o processo. Em 2015, conseguimos estabilizar a queda e, em 2016, começamos a performar de novo.
Quais foram os focos da mudança?
Nós nos tornamos gestores de marca como um diferencial competitivo. Focamos nas marcas próprias, Olympikus e Azaleia. Investimos em desenvolvimento de produto, com inteligência de mercado e pesquisa conseguimos identificar o que o consumidor precisava nesse momento, que era preço (acessível). Como posicionamos nossas marcas como "smart choice", com bom custo benefício, com alta qualidade mas preços supercompetitivos, conseguimos voltar a ter a empresa adaptada aos anseios do consumidor e ao mercado. Rendeu um sucesso grande, mas não era suficiente. Precisávamos modernizar ainda mais. Investimos muito em eficiência. As duas empresas, Vulcabras e Azaleia, são dos anos 1950, e se juntaram em 2007. As duas nunca tiveram eficiência fabril como em 2016. Com isso, conseguiu entregar outra vantagem competitiva, que é a agilidade para atender nosso cliente, que é lojista. O lojista compra, testa, e pode repor os produtos que mais vendem todos os meses. E se o produto não tiver boa performance, ele não comprou grande quantidade.
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Um novo empreendimento no caminho da praia
Empresas que passam pela Galeazzi costumam diminuir de tamanho, isso ocorreu?
Sim, a empresa diminuiu de tamanho nesse período, foi preciso tirar negócios que não eram tão eficientes. Administrávamos muitas marcas internacionais, tínhamos joint venture com a Reebok que terminou no final de 2015. Em 2016, não operamos a marca Reebok no Brasil. Isso fez com que a empresa enxugasse um pouco o faturamento, mas concentrasse nos negócios próprios. Mas não só enxugamos, tivemos de nos adaptar ao mercado que vinha com aumento grande das importações. Voltamos um pouco atrás. Hoje voltamos a crescer e temos confiança de que nosso plano de retomada está funcionando bem e que vamos conseguir crescer nos próximos anos.Onde está a produção da empresa hoje?Temos unidades em Sergipe, Ceará, Bahia, um pequeno centro administrativo em Jundaí (SP), e temos o maior centro de desenvolvimento de tecnologia da América Latina em Parobé, onde a gente emprega 927 pessoas e faz todas as ferramentas, matrizes e tem uma pequena fabricação de produtos de maior valor, mais elaborados.
Alguma dessas unidades está sob reavaliação?
A gente já passou por esse período de reestruturação, agora começa a contratar novamente. As operações estão estáveis. Precisamos ainda ganhar um pouco de eficiência. Na questão empregos, sempre fomos grandes incentivadores da indústria nacional, mas toda a parte da legislação trabalhista do Brasil precisa sofrer uma reforma urgente. O Brasil é o país em que as empresas mais gastam dinheiro em processos trabalhistas, por isso o empresariado toma muito cuidado na hora de empregar. Existe um mercado paralelo de seguro desemprego, funcionários pedem coisas absurdas na Justiça. Mesmo que não ganhem, existem despesas. Essas leis precisam mudar para que as empresas possam voltar a empregar.
Vocês já começaram a contratar?
Pouca quantidade, mas estamos crescendo. Neste ano, temos um plano de crescimento sobre o qual não posso dar números, porque a empresa tem capital aberto, mas estamos aumentando um pouquinho o nosso quadro. Nosso plano de retomada de crescimento começou em 2015, com estabilidade, 2016 já foi de reação, e pretendemos crescer em 2017, vemos um cenário positivo. Por isso estamos começando não só a contratar pessoas mas a fazer investimentos necessários para a ampliação.
Ampliação de unidades?
Não no número de unidade, mas na capacidade do produção das atuais unidades.
Existe um debate sobre a retomada dos investimentos porque as empresas, na média, estão com muita capacidade ociosa. Não é o caso da Vulcabras Azaleia?
Lembre que já fomos maiores, passamos por reestruturação e ficamos alguns anos sem nos modernizar. Estamos com capacidade instalada completamente ocupada, e para uma empresa que passou por dificuldades não poderia ser diferente. Foi preciso fazer adaptação, cortes de despesa, mas para crescer, precisamos investir em parque fabril, maquinário e pessoas. É o que estamos fazendo hoje.
Está definido em que unidades vai haver investimento?
É geral na empresa. Como tem esse plano de crescimento, como a capacidade instalada está bastante ocupada, um pouquinho em cada lugar.
No Rio Grande do Sul inclusive?
Sim, já contratamos em 2016, e em 2017 vamos aumentar o quadro, que em Parobé tem mais de mão de obra especializada. São pessoas mais técnicas, toda parte que compõe a criação. É um crescimento em praticamente tem todos os setores. Vamos fazer mais matrizes, mais amostrara. A gente está, realmente, um pouco na contramão. Claro que está partindo de base mais baixa, mas tem comemorado os resultados. Eu particularmente estou satisfeito com o que a gente fez na empresa. Foi uma reestruturação profunda, foram anos muito difíceis, mas todo o trabalho que a gente fez surtiu efeito.
Nesse crescimento, o que é mercado externo e o que é doméstico?
Em 2016, nossas exportações representaram 12% do faturamento. Houve um crescimento importamte, de 39% no mercado externo. Neste ano, não só porque o câmbio baixou um pouco, mas principalmente pela instabilidade na cotação. Lógico que a gente quer um dólar mais alto, isso melhora a competititidade dos produtos do Brasil, que sofre na comparação com os custos da Ásia. Mas para este ano projeta ano mais modesto na exportação, pela incerteza. É ruim porque a gente vende com antecedência e tem de honrar nossos preços. Como o seguro câmbio é muito caro no Brasil, e tem de entregar três, cinco, seis meses depois, o ano passado foi bom, mas a gente esperava uma rentabilidade um pouco maior.
Existe plano de mudar o perfil da unidade de Parobé?
Mantém o perfil. Quando a Vulcabras adquiriu a Azaleia, em 2007, a produção já tinha ido praticamente toda para o Nordeste, como quase todas as indústrias de calçados fizeram. É uma questão de competitividade, pelos incentivos fiscais. Não é tão simples, precisa treinar as pessoas, desenvolver regiões muito pobres. Bom, regras do jogo do passado. Quando a gente adquiriu a Azaleia, tivemos problemas, especialmente com calçados femininos, mas nunca deixamos de investir nas marcas e hoje estão fortes de novo. Consideramos muito importante essa unidade, porque tem inteligência, é daí que sai toda a estratégia para montar as marcas no Brasil e fora. Sem dúvida preservaremos. Por mais que a empresa seja grande, empregue 13,3 mil pessoas, ter quase mil em uma cidade como Parobé é importante.
Não podemos terminar sem essa: como anda sua relação com cassinos?
Estava em momento de férias, de lazer com amigos. Frequento Punta del Este desde os sete anos. Fizemos uma aposta no número 32, que ficou famoso, e tivemos a sorte de acertar. Mas os prêmios relatados não eram corretos, virou folclore. Os nove amigos que acompanhavam nessa diversão ficaram satisfeitos por poder ter férias com custos menores. Tenho hobbies, gosto de viajar, hoje estou no Ceará, trabalho todos os dias, não devo satisfações a ninguém. A parte engraçada é que, quando conto a verdade, as pessoas se decepcionam.